Quando a CBS anunciou que um derivado de The Good Wife seria produzido após o término da série original, provavelmente a maioria do público ficou desconfiado. Derivados são comuns no mundo procedural, mas a elegância da criação de Robert e Michelle King não parecia deixar brechas para esse tipo de oportunismo comercial. The Good Wife tinha qualidades que davam à um canal como a CBS o status pouco comum de “TV fechada”. Além da já citada elegância, a série era muitíssimo bem escrita, dirigida e atuada. Apesar de muitos tropeços em sua reta final, a ponto de tornar enfraquecida sua despedida, nenhum deles provocou a descrença absoluta a respeito do quanto os sete anos de vida da atração foram positivos.
Escândalos de bastidores envolvendo o nome de Julianna Margulies registravam o cansaço clássico desse tipo de produção: atores são contratados para viverem esses protagonistas complexos e, depois de algum tempo, parece que todo mundo no programa está trabalhando para eles. The Good Fight foi anunciada já com a contratação efetiva de Christine Baranski e Cush Jumbo, antiga e nova parceira de Alicia. O nome de Rose Leslie surgiu em seguida como terceiro elemento do trio de protagonistas, mas logo as contratações de outros nomes vistos em The Good Wife deixou uma coisa bastante clara: os criadores só queriam mesmo se livrar de Alicia.
As razões para isso não tem a ver só com problemas de bastidores, devemos admitir. The Good Wife sempre foi uma série que arriscou muito na abordagem de tópicos políticos e sociais, mas ousou pouco na sua dramaturgia. A partir do quinto ano, todas as vezes em que tentou fazer isso, terminou voltando atrás. A série caiu num ostracismo narrativo perigoso e toda semana parecia que estávamos diante de uma história que não queria mais ser contada e ficava correndo atrás do próprio rabo. Por isso, era de se esperar que uma vez livre do mundo de Alicia, os roteiristas poderiam explorar terrenos diferentes e independentes. Bem, não aconteceu exatamente dessa maneira...
The Bored Fight
The Good Fight começou com um dos melhores pilotos da temporada de estreias. Eles encontraram uma premissa realmente instigante para começar o derivado: Um ano após os eventos finais de The Good Wife, Diane Lockhart (Baranski) está prestes a se aposentar e anuncia sua saída da firma. Ao mesmo tempo, um escândalo financeiro a atinge e ela perde todas as suas economias. Quando decide recuar com sua aposentadoria, enfrenta o oportunismo de seus sócios, que não a aceitam de volta nos mesmos termos. Diane então resolve abandonar a firma e vai atrás de emprego no mesmo lugar onde trabalha Lucca (Cush Jumbo), uma firma onde 99% dos empregados são afro-americanos e que fez fortuna lidando com casos de violência policial.
Rose Leslie, que também é uma das protagonistas da seréi, vive Maia Rindell, a filha recém-formada em direito do grande acusado do escândalo financeiro que faliu Diane. Na ocasião da revelação do esquema, ela havia acabado de ser contrata para trabalhar ao lado de Lockhart, mas diante dos fatos é obrigada a sair, numa daquelas manobras clássicas de um roteiro providencial, que faz com que ela, Diane e Lucca acabem trabalhando juntas no mesmo lugar. Uma vez estabelecida essa premissa, a série só tinha uma função: explorar as tensões em torno das três personagens de modo a justificar o título da série e sua espalhafatosa abertura, que vende a ideia de “boa briga”, embora não faça a entrega corretamente.
The Good Fight recuperou personagens muito populares para os fãs da série original. Diane, Lucca e Marissa (Sarah Steele) são três nomes quase unânimes e os novos personagens apresentados tem todos boas e sólidas características. A chegada de Diane na Reddick & Boseman também funciona muito bem, porque ela quer ser sócia, mas é uma mulher da elite branca e soa deslocada naquele contexto. Ao mesmo tempo, ela não tem mais dinheiro para valer a pena em termos de investimento capital e precisa provar sua relevância não só pelo nome, mas pelo trabalho. Até por volta do episódio 3 os Kings conseguem contornar muito bem esses aspectos. Uma pena que logo depois a série volta a querer viver dos elementos do passado.
O escândalo que envolve Maia e sua família já tem um pé na recorrência. De certa forma, os conflitos vividos pela personagem se aproximam muito dos de Alicia, porque envolvem família, prisão, reputação, julgo popular e aquela dúvida sobre a culpabilidade dos envolvidos. Já vimos antes a história de uma advogada inexperiente que entra numa grande firma porque conhece alguém nela, se envolve num escândalo, vira joguete da mídia, mas tem um sobrenome que pode interessar muita gente seja para o bem ou para o mal. Nós já vimos isso antes, mas se a recorrência for bem feita, ela é perdoável.
Porém, da metade pro final, The Good Fight vira uma espécie de limbo para os fantasmas que migram da série da boa esposa. O problema que vimos na sétima temporada de TGW volta para nos assombrar e personagens e mais personagens de casos antigos começam a pipocar na tela. Carrie Preston retorna, Matthew Perry retorna, ChumHum retorna e até Sweeney volta. De certa forma, até aquela mania de tratar os relacionamentos das personagens com certa disformia eles não perderam e Lucca passa metade da temporada às voltas com um romance desinteressante e tomado dos mesmos vícios de linguagem que já tínhamos visto na vida de Alicia, Diane e Kalinda. Ainda que bem escrita, The Good Fight alcança seu season finale parecendo uma comida requentada ou uma peça de vestuário vintage. Ninguém pode dizer que não é bom, mas também não podemos dizer que é surpreendente. Para quem promete metáforas explosivas na abertura, The Good Fight está sendo equilibrada até demais. Os Kings são grandes roteiristas, mas eles precisam superar essa mania de auto-referenciação que só faz tudo parecer velho e repetitivo.