Eduardo Almeida (Eduardo Hanzo, no Twitter) achava que aquele dia na padaria seria só mais um esperando o pão ficar pronto. Para matar o tempo, ele resolveu fazer uma “thread” (sequencia de tweets sobre o mesmo assunto). O tema escolhido por Eduardo foi a longa rivalidade entre sua avó e uma vizinha, que é citada por seu apelido “boi”. A suculência dessa história toda está em toda parte, inclusive na razão pela qual a tal vizinha não tem um nome próprio: “Boi é o apelido da vizinha dado por minha avó. Até lá pelo meio dos anos 90 minha avó chamava a vizinha de A Vaca, mas lá por 1996 minha vó decidiu que isso era muito machista e que tudo tinha limites. E ai A Vaca foi renomeada para A Boi”, conta ele na sequência de mensagens.
Os tweets se tornaram virais na rede social e pararam nas mãos da autora Glória Perez que, na busca por novos projetos dramatúrgicos, considerou a história boa o suficiente para se tornar uma série cômica. Toda a história inacreditável da rivalidade entre as duas mulheres se encontrava com a maneira igualmente inacreditável com a qual aquela situação aparentemente casual se tornou um contrato. “Imagine, eu moro tão longe que parece a Venezuela” – Disse Eduardo na nossa conversa sobre a produção – “e de repente eu estou num avião indo encontrar Gloria Perez e Miguel Falabella”.
Falabella, inclusive, chegou ao projeto como uma opção partida das primeiras conversas entre Perez e Almeida. O agora cocriador da série explica como essa dinâmica aconteceu: “Miguel escreveu a redação final, eu participei da colaboração. Ele escreveu os dois primeiros”. Sobre a interação com o astro, Eduardo completa: “Sabe aquilo que dizem: Não conheça seus ídolos porque você pode se decepcionar? Então, ele foi maravilhoso, era tudo que eu esperava, sempre disposto a ouvir, discutir ideias...”. Eis então, que Vera Holtz e Arlete Salles deram vida a Yolanda e Turandot, respectivamente. Na série, porém, o protagonista Roblou (Daniel Rangel) é neto das duas.
As mudanças não param por aí. A história será ambientada em Madureira e as duas famílias – da Boi e da Avó – vivem separadas por uma vala na rua Tudor Afogado. Ao longo de 12 episódios o mundo da série vai sendo preenchido pelos personagens adoravelmente absurdos que sempre saem da mente de Falabella: Norma (Danielle Winits) e Celeste (Giovana Zotti), filhas de Turandot; Marlon (Magno Bandarz) e Montgomery (Marco Luque), filhos da Boi; Orlando (Otavio Augusto), dono de um suspeito brechó da região; Cabello (Edgar Bustamante), proprietário da lanchonete que é ponto de encontro de todos; Seu Rocha (Alessandra Maestrini), a detetive que cobre a área, entre tantos outros.
Uma das grandes expectativas acerca da produção está justamente na maneira como Holtz e Sales personificarão as rivais. “Conversei com elas”, diz Almeida, “Mas achei que elas deviam ter liberdade de criação”. No primeiro semestre, o jovem esteve nos Estúdios Globo para visitar os sets da série e ficou muito emocionado com o resultado palpável e concreto de algo que começou como uma “conversa de padaria”. Em meio a um momento criativo tão voltado para remakes, reboots e readaptações, a busca por material original começou a ultrapassar certas fronteiras que antes pareciam intransponíveis, sobretudo para a Globo, que somente nos últimos anos começou a abrir espaço criativo para novos autores em suas novelas (antes presas em loopings com os mesmos nomes). A perspectiva de encontrar novas e boas histórias em contextos mais plurais é bastante animadora.
Falabella já mostrou talento para discutir assuntos tensos com sensibilidade e humor, como aconteceu no Irajá de Pé na Cova, e isso deve se repetir aqui. A rivalidade entre as duas vizinhas não deixa de ser uma história de ódio, mas Eu, a Avó e a Boi provavelmente vai escolher falar do que resiste a ele. Será uma história sobre tudo de melhor que pode surgir do rancor, uma história sobre um novo e bem-vindo tipo de esperança.