Sentado agora no quarto do hotel, olhando para a janela à minha direita consigo ver um cartaz suntuoso no prédio da frente. Esse é daqueles que você enxerga a pelo menos um quilômetro de distância, um negócio gigante mesmo. Na arte estão todos os heróis que marcaram a última década do cinema e uma cabeça roxa flutuante; na verdade, tudo é roxo no enorme quadro de cabeças e troncos voadores. E no meio do devaneio que os Vingadores Roxos provocaram, a menos de 24 horas de finalmente assistir ao suposto último filme da equipe original, resolvi buscar nas minhas anotações o dia em que conheci cada um deles.
Há um ano, escrevi uma série de reportagens sobre aquele momento que até hoje é um dos mais inacreditáveis da minha vida. A verdade é que vi coisas lá dentro que nunca poderei escrever. Nunca mesmo, nem depois que o filme estrear. Esse foi o acordo para eu poder ver uma cena sendo filmada. Uma cena crucial, cheia de spoilers. Não vou falar sobre isso agora, mas sim sobre os detalhes que deixei passar da primeira vez que escrevi sobre Guerra Infinita e Vingadores 4, que naquela época ainda não se chamava Ultimato.
Hoje, muito do que vi - e não poderei descrever - se misturou com minhas alucinações. Se, teoricamente, vi o Homem de Ferro e naquele dia ele só era Robert Downey Jr, neste momento, olhando o cartaz no prédio da frente, já assumo que vi Tony vestir a armadura inteira na minha frente e disparou tiros em Thanos e Cia. Mas não quero falar sobre esses momentos, e sim sobre a aflição que era para os atores não saber no que estavam trabalhando. Elizabeth Olsen (Feiticeira Escarlate) era a mais incomodada. "Para mim é meio desconcertante ficar pulando, fingindo que voo de lá pra cá (...) E eu sequer sei, muitas vezes, em qual cena ou em qual filme eu estou. Somos orientados antes de entrar, dão um contexto e é isso. Mas é divertido", disse a atriz.
- A saga de Thanos, a tragédia dos heróis e o futuro da Marvel
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Homem-Aranha, Pantera Negra, Senhor das Estrelas. Esses três morreram em Guerra Infinita, mas estavam lá no dia do set. Significa que ressuscitam em Ultimato? Não necessariamente. E é aí onde fica boa parte da genialidade dos Irmãos Russo ao comandar um filme deste tamanho. Os caras não só gravaram dois filmes ao mesmo tempo, como várias outras franquias já o fizeram. Eles realizaram essa tarefa com um dos elencos mais disputados e caros da história, ao mesmo tempo que misturavam cenas dos dois filmes na agenda de todo mundo. Por isso, Olsen não tinha noção do que estava acontecendo. Ninguém sabia. Só Downey Jr. e Chris Evans.
Existiam os que assumiam o spoiler no próprio figurino. Um deles é Chris Hemsworth, que entrou no set totalmente diferente de qualquer Thor que já tinha visto no cinema. Mas de novo, mesmo com pistas sobre o filme, o ator não tinha muita noção de tudo que aconteceria na trama de Ultimato. E não era algo "não comentado" no set. Os diretores e os roteiristas - Christopher Markus e Stephen McFeely - disseram desde o início. "Meia dúzia de pessoas no mundo sabe o que vai acontecer e qual é o título de Vingadores 4", comentou McFeely para mim na época. Tudo que Thor, Homem de Ferro e Homem-Aranha falavam comigo naquele dia era referente a Guerra Infinita.
Admito que, apesar de ter saído do set feliz, tinha aquela ponta de frustração de não saber tanto sobre as tramas dos filmes. O que diziam era "um filme será sobre Thanos e o outro sobre os Vingadores". Realmente, com os trailers, agora entendo na prática a frase. Mesmo com toda minha frustração, que lutava com a alegria de ter conhecido os Vingadores, começo a entender que o sigilo em volta de Ultimato é mais do que justificado. Se num primeiro momento a gente imagina que tamanho cuidado prejudica até o trabalho dos atores, depois de alguma reflexão vemos que é tudo uma questão de adaptação.
Os spoilers de Ultimato podem realmente estragar uma experiência. Atualmente, qualquer hype, qualquer teoria, muda a nossa visão de um produto final - e no caso de Vingadores, nada está em um nível de expectativa parecido. Qualquer termômetro desregulado, qualquer expectativa mal plantada causaria uma frustração digna de crise. A Marvel foi cirúrgica ao esconder o filme até onde pode. Não só por uma questão de marketing, mas por respeito ao fã. Por respeito a quem acompanhou essa jornada nos últimos dez anos. Star Wars fez isso com maestria na nova trilogia, Kevin Feige aprendeu. Em uma época em que expor demais traz audiência imediata, a economia de propaganda antecipada fez Ultimato ser muito mais esperado, especulado e, no fim, lucrativo.
As anotações que voltei a explorar hoje ainda fazem sentido, seriam um grande furo de reportagem e dariam um pouco mais de luz nas teorias que a internet vive conjecturando. Isso é de uma raridade imensa no jornalismo de entretenimento. Por quê? Porque normalmente visitas ao set de um filme dão informações que são divulgadas no primeiro trailer. O set de Vingadores foi uma surpresa atrás da outra, um sonho concretizado atrás do outro e uma construção de hype em carne e osso. Vivo todo santo dia para escrever e contar histórias da cultura pop e aquele com certeza foi o dia mais real dentro de todo hype intangível que existe neste mundo. Eu só acredito porque o cartaz gigante no prédio da frente diz "Vingadores: Ultimato - Premiere Mundial". Em algumas horas, voltarei a encontrar aqueles heróis e heroínas, agora para encerrar a visita que começou lá em 2017.