|
||||
Não há como não tirar o chapéu para George Clooney. Ator egresso da televisão - onde ganhou fama ao viver o médico bonitão da série E.R. -, planejou sua carreira como poucos e, ao lado do cineasta Steven Soderbergh, fundou a produtora Section Eight, que tem um currículo invejável de boas produções - sejam elas blockbusters ou obras autorais.
O segundo filme de Clooney como diretor - o primeiro foi o bacana, mas um tanto pretensioso Confissões de uma mente perigosa - tem arrancado elogios e indicações para os principais prêmios da indústria. Merecidos, vale dizer. Boa noite e boa sorte (Good night, and Good Luck, 2005) é uma produção ousada, que passa ao largo - e com enorme louvor - de todos os aspectos dito "comerciais" da Hollywood moderna. A começar pela opção estética do preto e branco, para a qual a maioria das pessoas torce o nariz.
A história nos situa nos anos 1950, quando o senador Joseph McCarthy (imagens de arquivo no filme) empenhou-se numa caça às bruxas buscando supostos comunistas no seio da nação. É por esse cenário de insegurança que o filme passeia, mostrando o âncora de TV Edward R. Morrow (David Strathairn), o produtor Fred Friendly (o próprio Clooney) e sua equipe de repórteres desafiando o governo em sua luta para apresentar os dois lados da nebulosa questão. Em seu programa, Morrow - que usa o bordão "Boa noite e boa sorte" como frase de encerramento - revela o jogo sujo de McCarthy e torna-se alvo do senador, iniciando um acalorado debate pela liberdade de expressão e conseqüente queda de McCarthy.
Da escolha de seus protagonistas aos enquadramentos e à fotografia estonteante de Robert Elswit (Embriagado de amor), Clooney obtém enorme sucesso em fazer sua fita exalar integridade. Strathairn se entrega de tal forma ao seu personagem que a luta e a idoneidade dele ganham um ar sexy. Claro que a fumacinha do cigarro subindo em todas as cenas e sendo cruzada pelas luzes do estúdio também ajudam nessa construção... e muito. É o glamour do film noir vivo e muito bem empregado com mãos firmes.
Mas não se apresse em pensar que toda essa construção artística existe para ocultar falhas no roteiro ou algo assim. Boa noite e boa sorte é excepcional também nesse aspecto. Com extrema segurança, sem recorrer jamais à saída fácil da explicação didática, os diálogos são disparados com tanta velocidade e veemência que parecem extrapolar o filme, não cabendo nele.
E se o falatório já era relevante em 1950, parece ainda mais importante hoje, tempos em que a integridade na mídia e na política rareia a cada eleição, a cada renovação editorial. Clooney tem plena consciência disso e a mensagem está lá pra quem quiser - ou puder - pegar. Sai o macartismo, entra o Bush do Patriot Act, a Fox News... Tudo implícito, mas o cutucão é incisivo. Talvez com isso - e alavancado pelas indicações ao popular Oscar - o filme até consiga abrir alguns olhos... quem sabe? Boa noite e boa sorte para todos nós.