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Fale com Ela | Crítica

<i>Fale com ela</i>

18.10.2002, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H13

O universo de Pedro Almodóvar apresenta situações bizarras, ambientes kitsch e personagens pervertidos ou angustiados. Em certo grau, para mais ou para menos, todos os seus filmes reúnem estes três aspectos principais. E em Fale com ela (Hable con ella, 2002), um deles fica diminuído: as cores berrantes da cenografia.

A passagem é emblemática. Em sua casa, um apartamento de decoração sóbria, o jornalista Marco (Darío Grandinetti) assiste a uma entrevista. Na televisão, um papel de parede verde e objetos variados servem de cenário para uma mulher histriônica (parecida com o travesti Agrado de Tudo sobre minha mãe) tentar convencer a toureira Lydia (Rosario Flores) a revelar sua conturbada vida amorosa. Almodóvar brinca com a auto-referência. Apenas naquele momento a situação escapa, conscientemente, para o escracho.

A tônica do filme, na verdade, segue a linha dramática e exótica de Tudo sobre minha mãe (Todo sobre mi madre, 1999). A cada novo filme, Almodóvar fica mais ameno, mas não menos profundo. Assim que Marco testemunha o caso de Lydia, também tenta arrumar uma entrevista. E uma série de eventos acaba criando um romance entre os dois. Enquanto isso, um enfermeiro efeminado, Benigno (Javier Cámara), trata com os maiores cuidados, há quase quatro anos, de uma bailarina em coma, Alicia (Leonor Watling).

O caminho dos dois homens se cruza quando Lydia acaba atingida durante uma tourada e também entra em coma. Aos poucos, Benigno ensina Marco a conviver com a situação da incomunicabilidade. "Fale com ela", diz o enfermeiro. As mulheres em coma, lógico, não escutam. Mas Almodóvar ensina, através de meios distintos com um balé, uma apresentação emocionada de Caetano Veloso ou um filme mudo surreal, que a comunicação não depende da fala, mas de sentimentos.

A lição de Fale com ela não se restringe a isto. Mas seria arriscado explicar mais o filme, já que o mundo bizarro do diretor muitas vezes embaralha significados e leva a soluções variadas, dependendo da sintonia do espectador com a narrativa. Cabe aqui duas observações: quem admira o talento de Almodóvar em falar de dramas humanos, terá uma grande experiência; quem curte suas piadas e situações excêntricas, também.

E vale dizer, os dois atores se destacam (Javier Cámara é ótimo!), em meio ao universo majoritariamente feminino do diretor. Às vezes pode ser difícil entender Almodóvar. Mas é preciso dar o braço a torcer para alguém que faz até Caetano protagonizar um momento sincero de emoção.

Nota do Crítico
Excelente!