Logo nos primeiros acordes eletrônicos de “Love on the Floor”, canção etereamente dançante do álbum Favorite, de 2021, os integrantes do NCT 127 se deitam nos suportes diagonais que sustentam uma plataforma alta montada no palco do Vibra São Paulo. Ali mesmo, estirados no fundo preto da cobertura do palco, eles executam uma série de passos de dança sincronizados com a batida, e fica difícil para qualquer brasileiro devoto de Carnaval não pensar: Paulo Barros adoraria isso.
A lembrança do carnavalesco, cuja marca são os carros alegóricos populosos, com integrantes executando coreografias teatrais complexas, foi o pitaco final para localizar a sensação de familiaridade que eu estava sentindo durante todo o show do NCT 127 da última quarta-feira (18). Com mais de 2h30 de duração, raramente interrompidas por interlúdios em vídeo e conversas com o público, o espetáculo montado pelo grupo sul-coreano não é tão diferente de um desfile de escola de samba na Sapucaí.
A bem da verdade, o k-pop e o Carnaval já dividem naturalmente um ponto crucial: não esconder a sua própria artificialidade, e de fato prosperar dentro dela. Se isso beneficia a sensação cinética causada pelas acrobacias e pela sincronização dos integrantes, importa mesmo se o NCT 127 desliga os microfones e confia no playback durante as canções mais dançantes? Se as cores, texturas e melodias engajam, interessa mesmo se os nobres da França do século XVII, representados nessa ou naquela ala da Salgueiro, realmente usavam plumas gigantescas em suas roupas?
Quando chega a hora de entregar os seus hits no palco, o NCT entra em modo ultra eficiente. “Favorite”, “Sticker” e “2 Baddies” aparecem com a precisão de movimentos inclemente de quem já as ensaiou e as apresentou dezenas, senão centenas, de vezes... e elas empolgam, é claro, porque foram matematicamente planejadas para empolgar. A música do grupo, recheada de experimentações com ruídos e onomatopeias curiosas para o estúdio, floresce no ambiente do show - cada “brrrrap”, “xiiiii”, “rrrrrrr” e “fiiiiu” funciona como um chamado à ação para os devotos da discografia, tanto quanto os improvisos dos puxadores de samba alimentam os torcedores de suas escolas.
Posicionada mais no começo da setlist, enquanto isso, “Cherry Bomb” tem a coreografia mais criativa e mais exigente do show, abusando da composição robusta do grupo (normalmente nove integrantes, mas oito durante os shows no Brasil - o vocalista Haechan está em hiato para cuidar da saúde) para dispor os artistas em formações engenhosas, e também da capacidade de contorção impressionante de certos deles. É a faixa que dá o tom do espetáculo, em muitos sentidos, e não por acaso a última da longa e energética abertura que o NCT usa - como uma boa comissão de frente - para conquistar o público.
O que se segue é uma sequência de atrações tão variadas quanto as alas, carros alegóricos, baianas e recuos e bateria de um bom desfile na Sapucaí. Uma hora é Mark quem entra de roupão de veludo para entoar, com um flow perfeitamente ensaiado, o seu hip hop eletrônico “Vibration”. Logo depois, Taeyong surge de couro marrom e calça de pele de cobra para dançar e desfilar o seu agudo pelo palco, culminando em um dueto empolgante com o colega rapper. Já durante a sensual “Focus”, Johnny concentra atenções ao fazer um show de striptease (devidamente incompleto, claro) no palco.
Em “Elevator”, os artistas se juntam para uma coreografia apenas semi ensaiada e brincalhona em torno de um sofá, clima que continua quando guarda-chuvas são introduzidos como objetos de cena na canção seguinte. “Highway to Heaven” coloca os integrantes com lightsticks (os objetos iluminados personalizados que são famosos entre os fãs de k-pop) para ditar os movimentos do público. “Back 2 U”, originalmente uma bordoada dançante, é transformada em balada ao piano, mas ainda empolga pelo puro poder da composição e da harmonização dos vocais - desta vez, sem playback.
A sensação, enfim, é de estar diante de uma roleta infindável de talentos excepcionais em exposição. A divisão de tons e levadas musicais, além da inclusão de canções apresentadas apenas por um ou alguns integrantes, é obviamente uma decisão logística para que o espetáculo siga em um ritmo satisfatório por suas 2h30 sem exaurir os artistas - mas, ao invés de soar cínica, a escolha pela variedade se revela providencial, honesta… e, é claro, mais carnavalesca impossível.