Feliz 2023! Se você achou que ia demorar para o ano “pegar no tranco”, pode pensar de novo: ao menos musicalmente, janeiro foi um mês e tanto. Os retornos de Shakira e Miley Cyrus deram o tom do pop ocidental com música para sentir raiva do ex (com direito a muitas “indiretas”), enquanto o k-pop nos serviu um ótimo retorno do TWICE e uma parceria de Taeyang (BIGBANG) e Jimin (BTS). Já o pessoal do “panela velha é que faz comida boa” ganhou um bom álbum de Iggy Pop e uma mega-parceria das divas Dolly Parton, Cyndi Lauper, Gloria Estefan, Debbie Harry e Belinda Carlisle. Confira a lista.
“Halazia” - ATEEZ
Há tanta coisa acontecendo em “Halazia”, último lançamento do ATEEZ em 2022 (em nossa defesa, foi no dia 30 de dezembro!), que fica difícil escolher do que falar primeiro. Será que os toques de sino paradisíacos que encerram a canção merecem o destaque? E que tal o pré-refrão mais climático (e, bom, anticlimático) do k-pop recente, entoado na voz texturizada do integrante Seonghwa? Talvez seja tudo sobre a crescente dubstep dos sintetizadores do refrão e do pós-refrão, especialmente no último terço da canção, marcado por um dance break deliciosamente infernal? Inventando um milhão de ganchos melódicos diferentes com o seu curioso título, “Halazia” mostra como poucas canções porque as surpresas do pop sul-coreano fazem tão bem aos ouvidos acostumados com a padronização do Ocidente.
“I Wish I Didn’t Press Send” - Gabrielle Aplin
Em contraste direto com a sua predecessora nessa lista, “I Wish I Didn’t Press Send” encanta justamente por sua familiaridade. Em um disco - se você nos perguntar, o melhor da carreira dela - no qual abraça mais as influências jazzísticas de sua formação, a britânica Gabrielle Aplin mostra que o seu timbre delicado (quase frágil, e isso é parte do charme) se molda bem ao groove perfeitamente sincopado de um R&B moderno. Complete isso com a letra extremamente relacionável sobre os perigos de enviar uma mensagem de texto para aquela pessoa na madrugada, durante uma bebedeira, e você tem uma canção competente, previsível… e irresistível.
“Trustfall” - P!nk
Com o risco de cairmos na repetição: o prazer de ouvir “Trustfall” é o quão familiar ela soa. P!nk está fazendo épicos pop radiofônicos de autoestima já há algumas décadas, e ela parece ter acertado a mão de novo em seu novo álbum, que divide o nome do novo single e será lançado em 17 de fevereiro. Trocando guitarras por sintetizadores (como já fez em “Raise Your Glass”, por exemplo) e preenchendo a canção com ganchos instrumentais açucarados, a americana mostra que ainda há espaço para o artesanato envolvido na composição de uma boa power ballad no cenário ocidental.
“Flowers” - Miley Cyrus
2023 encontrou o seu primeiro grande hit ocidental em “Flowers”, primeiro single do novo álbum de Miley Cyrus. Pudera: a canção é produzida com inteligência exemplar, apostando tudo em uma linha de baixo irresistível e enfeitando o seu refrão com cordas que remetem delicadamente à disco music - isso sem contar os corais à la Motown que formam o pós-refrão. Adicione aí uma letra de autovalorização oportuna e brilhantemente simples (difícil ignorar como ela inverte os versos de “When I Was Your Man”, até lembrando a canção de Bruno Mars em estrutura melódica), uma entrega vocal precisa de Cyrus, e um clipe genial sem precisar ser complicado demais para isso. Que venha o Endless Summer Vacation (previsto, aliás, para 10 de março).
"Music Sessions #53" - Shakira ft. BZRP
Assim como Miley, Shakira também lançou um hit com indiretas bastante diretas ao ex-marido Gerard Piqué. Em "Music Sessions #53", a colombiana usou jogo de palavras, batidas eletrônicas e trechos ácidos como "você me deixou como vizinha da sogra/com a imprensa na porta e a dívida na Receita Federal" e "uma loba como eu não é para um novato" para atacar o ex-jogador que a teria traído. O single viralizou nas redes sociais e tem dominado as paradas ao lado de Cyrus e SZA com músicas direcionadas aos seus próprios ex-amores. (Por Giovanna Breve)
“Love Colour” - SF9
Embora nunca tenham alcançado o sucesso estonteante de muitos contemporâneos, os meninos do SF9 estão entre os artistas mais consistentes e interessantes da geração da qual fazem parte no k-pop. Prova mais recente disso é o excelente álbum The Piece OF9, na nossa opinião o melhor lançamento sul-coreano de janeiro - e “Love Colour” é talvez a melhor canção do disco, direta em sua abordagem da percussão latina, calorosa em seu uso das guitarras na produção, perfeitamente etérea nos filtros que passa pelos vocais dos integrantes. O pacote completo resulta em uma canção que parece organicamente sedutora, mesmo que tenha sido planejada nos mínimos detalhes. Não é essa mesmo a magia do pop?
“New Atlantis” - Iggy Pop
O climático Every Loser é a mais recente adição ao terceiro ato brilhante da carreira da lenda do rock Iggy Pop. Modulando um pouco a energia que animou os excelentes Post Pop Depression (2016) e Free (2019), o disco mostra como o americano é capaz de usar seu timbre rouco para passear por soul, metal e hard rock clássico com elegância e competência. “New Atlantis”, a ode complicada de Iggy à cidade de Miami, mostra que até para trovador folk ele tem talento, declamando linhas de poesia em meio a partes musicadas hipnotizantes, coroadas pelo solo de guitarra indefectível do produtor Andrew Watt. Aos 75 anos, o ex-frontman do The Stooges nunca soou tão vital.
“Vibe” - Taeyang feat. Jimin
O que esperar da parceria de um dos maiores ícones da indústria do k-pop (Taeyang, integrante do BIGBANG) e uma de suas estrelas atuais mais brilhantes (Jimin, do BTS)? “Vibe” responde a essa pergunta com um groove contagiante, levado por uma percussão estourada que cheira a algo que George Michael faria nos anos 1990, e com toques de produção graciosos: dos teclados etéreos que entram em cena quando Jimin começa o seu verso às guitarras discretas que enfeitam a primeira parte cantada por Taeyang. O timbre delicado do idol mais jovem ainda se entrelaça bem com o tom mais grave do veterano, e é isso: a magia pop está garantida.
“Outlaw” - GOT the Beat
O estilo barulhento que a gravadora SM Entertainment escolheu para o seu supergrupo feminino, o GOT the Beat, já produziu alguns hits de qualidade duvidosa (ainda que bizarramente irresistíveis) - mas talvez “Outlaw” seja a canção em que a fórmula funcionou melhor até agora. Culpe por isso a força do refrão, que começa desconcertante com sua melodia descendente, e só fica melhor quando os versos gritados de Wendy e cia. o levam às alturas; ou talvez seja crédito dos produtores, que finalmente acertam no tom dos sintetizadores industriais e percussões ardidas que acompanham a canção. “Outlaw” soa como algo de outro mundo, o que é apropriado para um grupo que reúne algumas das maiores estrelas do k-pop.
“Light Me Up” - Margo Price feat. Mike Campbell
Margo Price é uma das figuras mais fascinantes do country americano atual. Com letras desafiadoramente políticas (vide “All-American Made”, uma porrada antimilitarista) e uma aproximação franca com o folk e o rock, gêneros morfológicos essenciais da cultura country, ela faz música que apela não só ao público estadunidense que normalmente consome o gênero, mas a qualquer um que aprecie canções bem escritas. O disco Strays, lançado este mês, já é um dos melhores de 2023, e “Light Me Up” é talvez a faixa que melhor mostra a força agregadora de Price, entregando versos furiosamente agonizantes por cima da guitarra alucinada de Mike Campbell, conhecido por seu trabalho com o Tom Petty and the Heartbreakers.
“Moonlight Sunrise” - TWICE
Depois de nos deixar por meses cantando o “bóia-bóia-bóia-no” de “The Feels”, o fenômeno do k-pop TWICE voltou a atacar o mercado anglófono com uma confecção pop simplesmente per-fei-ta. Desta vez é “Moonlight Sunrise”, com sua letra sugestiva (“Luz da lua, nascer do Sol/ Vamos fazer isso a noite toda”), seus toques de sintetizador cuidadosamente etéreos e seus ganchos melódicos indefectíveis. Embora seja facilmente digerível pelas rádios ocidentais, a canção confirma que o TWICE tem a manha de cantar em inglês, agradar os americanos, e mesmo assim se agarrar a excelência pop superior dos sul-coreanos. O hit vem!
“Sick to My Stomach” - Rebecca Black
Mais um mês, mais um single de Rebecca Black na nossa lista. “Sick to My Stomach” é o sucessor dos excelentes “Crumbs” e “Look at You”, mais uma vez sendo bem-sucedido em nos deixar com água na boca pelo álbum de Black, Let Her Burn, que finalmente chega ao streaming e às lojas em 9 de fevereiro. Aqui, a ex-estrela adolescente de “Friday” emula Sky Ferreira com percussões abafadas, sintetizadores graves e melodia viajante que não fariam feio ao lado de uma “Everything is Embarrassing" ou uma “I Blame Myself” - com o prazer adicional de sua letra corajosamente queer, é claro.
“Parade” - Cignature
O álbum My Little Aurora não é o melhor uso dos talentos do Cignature até hoje, mas até em seu pior lançamento o grupo responsável pelas brilhantes “ASSA” e “Boyfriend” achou um jeito de nos deixar com pelo menos uma pérola musical: “Parade”, com sua mistura sedutora de sopros e percussões jazzísticos, sintetizadores eletrônicos e filtros de voz ardidos. A receita, até surpreendentemente, cria um bubblegum pop irresistível, que os produtores são incapazes de replicar pelo restante do álbum - quem sabe na próxima vez teremos mais disso, e menos do irritante single “Aurora”.
“Lonely Bitch” - Bea Miller
Desde que iluminou nossa quarentena com o espetacular EP Elated!, em 2020, Bea Miller se tornou um nome para prestar atenção no pop ocidental contemporâneo. “Lonely Bitch”, primeiro single da cantora em 2023, prova que a promessa não é vazia - remetendo aos tempos áureos do pop rock dos anos 2000, ela desfila o seu tom rouco e sua autodepreciação característica do pós-millennial em uma canção que poderia ser do The Pretty Reckless, do Leela ou do Paramore em seus primórdios mais revoltados. E sim, dizemos tudo isso como elogio!
“Cotton Candy” - Jinyoung
De todos os integrantes do GOT7 que já fizeram voos solos, talvez Jinyoung fosse o que menos deixou sua marca distintiva nas produções que lançou. Isso até “Cotton Candy”, que vende o sub-vocalista do grupo como um novo ícone do soft rock à la Antena 1 - e, honestamente? Esse pacote nós compramos. Os teclados harmônicos e o tom bem texturizado dos vocais agradam aos ouvidos, enquanto o refrão turbinado por uma contagiante linha de baixo serve para convencer até quem não foi fisgado pela melodia suave dos versos. Jogada de mestre.
“Gonna Be You” - Dolly Parton, Cyndi Lauper, Belinda Carlisle, Debbie Harry & Gloria Estefan
A verdade é que “Gonna Be You” poderia ser a pior canção já escrita, e ela ainda estaria nessa lista. Isso porque não dá para ignorar o poder combinado de cinco das maiores estrelas musicais do século XX - mesmo que Debbie Harry tenha desistido de participar do clipe e só empreste seus vocais para um trechinho pequeno da canção. Por sorte, “Gonna Be You” é melhor do que tem qualquer direito de ser, com um refrão contagiante e todas as referências musicais certas (vide os sintetizadores no começo emulando “9 to 5”), fazendo com que o prazer de ouvir essas divas cantando juntas fique ainda melhor.
“Paradise” - Lapsley
Cautionary Tales of Youth, o terceiro álbum da britânica Lapsley, é o melhor disco do ano até agora - simples assim. Um grito de esperança encarnado nos tons paradoxalmente quietos da música eletrônica climática da cantora, o disco encontra talvez a sua melhor representante em “Paradise”, um dream pop impecável, com sintetizadores sobrepostos e batida artificial coroados por um refrão baseado em uma única frase sentimental (“Não preciso pensar duas vezes/ Este amor é o paraíso”) entoada em diversos tons e subtons de vocal e interpretação. Amostra excelente do talento inimitável de Lapsley ao microfone, e uma bela introdução à arte dela, que também brilha em faixas sublimes como “Levitate” e “Say I’m What You Need”.
“Nowhere Game” - Patrick Wolf
Patrick Wolf passou mais de dez anos afastado da música - seu último lançamento, o álbum de releituras Sundark and Riverlight, saiu em 2012. O período foi turbulento na vida do cantor, com perdas na família, disputas contratuais e até um acidente de carro, mas ainda bem que ele encontrou em si a força para retornar aos holofotes: “Nowhere Game”, segundo single do vindouro EP The Night Safari (ainda sem data definida), mistura corais sombrios, toques de violino e percussão inclemente para criar um clima que é patentemente único no cenário musical, e que lembra bastante o de canções anteriores do artista, como “The City” e “Wind in the Wires”. Bem-vindo de volta, Patrick!
“Sugar Rush Ride” - TOMORROW X TOGETHER
O retorno do TOMORROW X TOGETHER (ou simplesmente TXT), com o álbum The Name Chapter: Temptation, trouxe a previsível excelência de um dos grupos mais consistentes da 4ª geração do k-pop - mas difícil negar que eles escolheram o single certo, mesmo em meio a uma tracklist que inclui a deliciosa lambada de “Tinnitus”, o simulacro de reggaeton “Farewell, Neverland” e a melodia hipnotizantemente climática de “Devil By the Window”. “Sugar Rush Ride” bate todas elas com a excitação e a versatilidade de seus versos em guitarrada, de seu refrão em anti drop ditado por blips de sintetizador, e de sua elaboração estética em tons praianos. Parece que esses meninos não erram, mesmo.
“Lose You” - Sam Smith
Novo álbum de Sam Smith, o Gloria está cheio de experimentações sônicas para o artista britânico que um dia só foi conhecido por baladas “mela-cueca” como “Stay With Me”. Na nossa opinião, no entanto, nada supera as ideias pop sofisticadas e as declarações sentidas da primeira metade do disco, e especialmente a paulada de pista de dança “Lose You”, completa com o melhor uso do autotune na carreira do cantor (ele claramente não precisa, então é escolha artística!) e um combo de batida eletrônica e sintetizadores graves que não falha em nos fazer levantar da cadeira para rebolar o traseiro.
“Ay-Yo” - NCT 127
Quem diria que a passagem de pouco menos de uma semana pelo Brasil, durante a qual o NCT 127 fez três shows em São Paulo (nós fomos em um e te contamos como foi!), renderia também uma parceria musical: “Ay-Yo”, single que encabeça o álbum de mesmo nome (na verdade, uma reedição especial do anterior 2 Baddies), foi produzido pelo duo brasileiro Tropkillaz, e não esconde isso em nenhum momento - das sirenes que dão o pontapé inicial na canção até a batida fragmentada misturada com guitarras, sintetizadores e até um pianinho jazzístico, a canção exala o experimentalismo caracteristicamente urbano da música brasileira, que não por acaso combina bem com o espírito aventureiro do grupo.