
Editado pela DC Comics em 1986, Batman: O cavaleiro das trevas foi um dos primeiros quadrinhos a receber destaque na grande imprensa do mundo inteiro. Juntamente com Watchmen de Alan Moore e Dave Gibbons, tornou-se o ideal dos gibis nos anos oitenta. A famosa mini-série em formato prestige levou o gênero super-heróis a patamares inusitados, utilizando personagens como metáforas políticas e novas técnicas narrativas. Até hoje sua influência faz-se sentir na indústria das HQs do mundo inteiro. O cavaleiro das trevas inspirou autores a ousarem mais em suas obras, enquanto levou muitos a cultivar uma estética violenta e desesperançosa que quase se tornou padrão dos super-heróis no final dos anos oitenta e começo dos noventa.
UMA ABORDAGEM INUSITADA
A primeira notícia consistente sobre os novos planos de Frank Miller havia sido veiculada semanas antes no número 1385 do CBG. Nessa edição, contrariando expectativas de quem esperava rever o mesmo estilo angustiado e raivoso de O cavaleiro das trevas, Miller falou com detalhes da nova índole e das condições físicas de Bruce Wayne. Em Batman: the Dark Knight Strikes Again, o herói deve aparentar dez anos menos. No entender do autor, nos meses que separam a primeira saga da atual, o Homem-Morcego terá se cuidado, coisa que não havia feito nos anos que antecederam a primeira série. Ele estará em paz consigo mesmo e terá superado a ira e a dor causadas pela morte de seus pais cinqüenta anos antes.
O QUE É UM HERÓI&qt;&
Carrie Kelly, a Cat-Girl (Moça -Gato) |
Na mini-série com lançamento previsto para meados do ano que vem, a América terá se tornado uma ditadura fascista de tons moderados. Todas as notícias, nos meios de comunicação, são risonhas e francas. Passa-se a falsa idéia de que não há mais crimes. As tevês não cansam de repetir que a vida é boa. Por isso, ninguém mais precisa de direitos civis. O fato de que todos os super-heróis desapareceram reforça essa ladainha mentirosa. Dá para imaginar, então, como Batman representa uma pedra no sapato dos poderosos. Ele é o elemento anarquista na história e cabe ao seu intelecto descobrir o paradeiro de seus antigos colegas e trazê-los de volta.
Acompanhado dos jovens membros da Gangue Mutante que o seguiram à batcaverna ao término da primeira mini-série e da espoletíssima Carrie Kelly – antes a Robin e agora a Moça-Gato –, Batman vai inspirar uma nova geração de heróis. Na verdade, num mundo sem heróis, seu retorno, por si só, serviu como catalizador de mudanças. Diante da nova situação, o Homem-Morcego determina que Carrie encontre os jovens meta-humanos enquanto ele trata de ir atrás da velha guarda. A coisa se complica quando Lex Luthor, o mestre do mundo, identifica a volta dos heróis e decide criar, antes que seja tarde demais, sua própria e corrupta versão da Liga da Justiça. Por sua vez, inúmeros vilões da DC terão destaque, mas não serão vistos como criminosos pelas pessoas mas como heróis.
Na entrevista ao CBG, Miller afirmou que está elaborando um Batman que se tornou o Herói Perfeito. Ele não remói mais o assassinato dos seus pais, uma coisa que aconteceu quando tinha seis anos de idade. Pelo amor de Deus, o homem está beirando os sessenta. Já superou esse trauma, embora ele o tenha inspirado e formado o cerne de seu heroísmo. Três anos se passaram desde o fim de O Cavaleiro das Trevas. O Homem-Morcego está mais calmo e melhor do que nunca. Tem todas as peças da sua vida no lugar. A raiva e o pesar transformaram-se em determinação virtuosa. Em Dark Knight Strikes Again, ele será uma figura muito mais poderosa, que terá passado por sua provação. Para Miller, todo herói de tem que ser posto à prova. É assim que eles são definidos.
UMA CELEBRAÇÃO
Indagado sobre suas motivações para voltar ao universo do Cavaleiro das Trevas, Miller explicou, em entrevista a Charles Brownstein do site Comic Book Resources que, depois de quinze anos, eu tive algumas idéias e bateu a vontade de brincar com os brinquedos da DC. Quis brincar com os grandes super-heróis. Já fiquei longe tempo suficiente pra não estar mais cansado deles. E, vendo a que ponto as coisas chegaram nos últimos anos, achei que um lustro nos móveis e uma arrumação na casa viriam bem a calhar. Pense em mim como o experiente xerife tendo de voltar a Dodge City porque os jovens estão atirando pra cima na igreja, assustando os cavalos e tratando mal as mulheres.
Em conversa com Maggie Thompson, Miller foi mais adiante. Comentou que vê O cavaleiro das trevas como uma invectiva enquanto The Dark Knight Strikes Back está mais para uma celebração. Em 1986, sua proposta foi subverter a imagem vigente de Batman como um representante quase oficial da lei. Sua intenção foi torná-lo assustador e reverter a pausteurização do mito do super-herói. Isso resultou num justiceiro taciturno e autopiedoso. Miller entende que hoje tudo é diferente. Ele quer mostrar o quanto o gênero super-herói pode ser empolgante. Desta vez, não pretende ser melancólico, sarcástico ou desconstrucionista. A seu ver, já se abusou demais desses expedientes. Se eu vou fazer uma HQ de super-heróis, tem que ser em grande estilo, disse Miller. As coisas estão lúgubres demais. Os heróis ficaram tão feios que até seus músculos têm músculos. A elegância de Gil Kane desapareceu. Não se vê mais o regozijo absoluto do anel energético do Lanterna Verde ou a magia do Flash, que se move tão rápido que ninguém o vê.
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