Como tudo mundo, o cineasta Gregg Araki percebeu que a televisão pode alcançar mais pessoas e dar melhor vazão à sua produção do que permanecer nos mecanismos do cinema independente. No Festival de Sundance o Omelete assistiu aos primeiros três episódios de Now Apocalypse, a primeira série de TV criada por Araki, que estreia em março no canal Starz.
O caminho feito pelo diretor de Mistérios da Carne pode ser comum hoje em dia em Hollywood na era do streaming, mas Araki já tinha laços com a TV (ele tenta emplacar pilotos desde 2000) e seu próprio cinema se inclinava em anos recentes para um discurso evangelizador sobre a libertação do sexo que parece ter na TV um efeito amplificador, enquanto no cinema indie o diretor já estava pregando há um bom tempo apenas para seus convertidos.
Now Apocalypse é uma ótima porta de entrada para a obra de Araki e para ter contato com sua forma de ver o sexo, um enfoque despudorado e desencanado que vai na contramão do registro sempre moralizante do sexo na cultura americana (mesmo nos canais de TV paga em que nudez é hábito, à exceção de seriados que tratam os tabus do sexo especificamente como tema, ele é encenado como válvula de escape ou fan service, o que não deixa de ser também um julgamento moral). O primeiro episódio de Now Apocalypse já começa com Ulysses (Avan Jogia) gritando numa relação gay com penetração e Araki não teria mesmo um cartão de visitas diferente.
A série coleciona elementos dos filmes do diretor (sci-fi farofa, sátira americana, descoberta adolescente) numa mistura que tem mais potencial para virar moda entre os millennials - pelo apelo pop e pelo discurso empático sobre pulsões sexuais - do que propriamente de chocar a sociedade. Vemos jovens em uma Los Angeles estilizada em busca de propósito e prazer, quase um La La Land sem toda a prisão de ventre. Quem já viu Kaboom! pode ter uma boa amostra do que esperar de Now Apocalypse como sátira e crônica; aliás, Araki já fazia no filme de 2010 uma “homenagem” cômica aos seriados teen e agora finalmente dá vazão na TV a esse amor mal resolvido.
Pelos três primeiros episódios - que têm alguns lances de gênio como a cena da garota que estuda para ser atriz e treina diálogos com um cliente na webcam pornô que ela faz em casa - Now Apocalypse mostra um Araki mais domado em termos de narrativa. Normal o ajuste nessa migração para a TV, ainda assim o registro soa mais didático e panorâmico que o normal: personagens discutem o que se espera dos millennials em termos de postura sexual e como lidar com “novidades” como o fim da monogamia. É o sexo não apenas como motor da narrativa mas também como problematização.
A impressão que fica nesse começo de temporada (em que o grande plot da invasão alienígena à la V ainda está no começo e pode ser uma grande galhofa misturada com brisa de maconha) é que o discurso evangelizador sobre tabus sexuais vai se manter até o fim. Não é uma série especificamente sobre pautas atuais (os temas habituais de Araki se sobrepõem, principalmente a obsessão com o fim da inocência/fim do mundo) mas elas estão nas subtramas. Cada personagem chega com suas próprias questões para resolver e elas são bem pontuais (tendências SM na cama, carência afetiva, frustrações profissionais).
É um começo não só interessante para ver como Araki se ajusta à cadência que a narrativa longa pede (um ajuste que ele faz com naturalidade, a exemplo das boas cenas que servem de recapitulação do episódio anterior, funcionais na medida) mas também pela expectativa para ver como o público vai receber uma série que está plenamente consciente das fórmulas da novelinha teen (o protagonista tem até seu diário em voz alta) e ao mesmo tempo chegou para implodi-las.