Sin City: De volta ao inferno
Por Érico Borgo
Já faz tempo que a fórmula de Sin City cansou.
Frank Miller repete a mesma história de sujeitos durões obcecados por mulheres monumentais em perigo de novo e de novo... além disso, se as primeiras edições eram um verdadeiro choque estético, com um preto e branco estilosíssimo, sem tons de cinza, milhares de quadrinhos depois, até mesmo a arte já não traz mais surpresas.
Mas eis que chega às livrarias brasileiras Sin City: De volta ao inferno, mais um volume da série policial de alto contraste, o sétimo da coleção lançado pela Devir.
Apesar de seguir o mesmíssimo esquemão narrativo, a HQ é a primeira de Sin City a ter um capítulo inteiro colorido. E não estou falando daquelas cores fortes e chapadas que Miller coloca para pontuar certos personagens - como o Assassino Amarelo - mas colorização de verdade. O segmento (a edição 7 da edição original), uma viagem de tranqüilizantes do protagonista, tem a esposa do autor, Lynn Varley, comandando as aquarelas numa parceria que lembra um dos pontos altos da carreira de ambos, 300 de esparta.
Mesmo o roteiro desse singelo capítulo injeta alguma novidade na série. O valentão da vez, Wallace, um ex-soldado de elite, luta contra sua mente e corpo drogados para salvar-se da morte certa e resgatar Esther, a bela em perigo desta história. Através dos olhos dopados de Wallace, nada é o que parece. Surgem dinossauros, querubins, fadinhas, Rambo, Moisés, Dirty Harry, e um verdadeiro desfile de referências aos trabalhos de Miller - de Elektra a Robocop, passando por Liberdade, Lobo Solitário, 300 e Big Guy and Rusty the Boy Robot, entre outros. Toda aquela piração é reflexo da realidade que está acontecendo e cabe ao leitor interpretá-la para descobrir onde está o herói e o que ele está fazendo. Genial!
Pena que sejam tão poucas páginas - nem 10% do total... de qualquer forma, elas fazem valer o calhamaço (são 320 páginas!), que inclui ainda uma bela galeria de capas e pin-ups por nomes conceituados das HQs.
(Sin City: Hell and back) De Frank Miller e Lynn Varley. Formato americano (17x26 cm). 320 páginas. Editora Devir. 48 reais.
Persépolis 3
Por Érico Assis
O terceiro volume (de quatro) da premiadíssima auto-biografia da iraniana Marjane Satrapi conta seu exílio, a partir dos 15 anos, na Áustria. Marji é enviada por seus pais, que a querem distante do regime islâmico do seu país natal. Esperando uma sociedade super aberta e receptiva na Europa, ela descobre que há outras formas de repressão.
Seu grande problema, claro, é a adolescência. Você tem 15 anos, tem todas as ansiedades, desejos e transformações corporais da idade, e ainda tem que aprender a morar e se virar sozinha num país estranho. Marji passa por todas aquelas situações que marcam a vida de qualquer teen - decepções com os amigos, rebeldia com os adultos, crises amorosas, sexo, drogas, festas estranhas com gente esquisita -, mas elas são todas ampliadas por sua situação de estrangeira. E como adolescente - ainda mais uma adolescente sozinha num país estranho - amplia tudo, a vida de Marji não fica nada fácil...
O primeiro e o segundo volume de Persépolis são excepcionais: Marji é uma criança tentando entender uma violenta crise política, uma espécie de Mafalda da Arábia. E a Satrapi autora, escrevendo e desenhando aos 30 e poucos anos, sabe projetar a visão infantil que tentava entender o que estava se passando. Isto faz falta no terceiro volume, em que passamos para sua adolescência e para outro país, e temos que agüentar mais uma história de angústia teen. O quarto volume (que a Cia das Letras promete para este semestre), em que ela volta ao Irã para entrar na universidade, promete ser mais interessante.
(Persepolis 3) De Marjane Satrapi. 96 páginas. Companhia das Letrinhas. 25 reais.
Grandes Clássicos DC 6 - Lanterna Verde/Arqueiro Verde
Por Marcus Vinicius de Medeiros
Que a série em quadrinhos produzida por Dennis ONeil e Neal Adams estrelando os personagens Lanterna Verde (Hal Jordan) e Arqueiro Verde (Oliver Queen) já se tornou um clássico do gênero super-heróis e elevou seu padrão artístico e abordagem temática, ninguém há de negar. Produzida na década de 1970, aproveitando muito da experiência pessoal de ONeil como jornalista, Lanterna Verde/Arqueiro Verde foi uma HQ de contestação e engajamento político, resgatando o propósito original do Super-Homem de Siegel e Shuster.
O autor faz uso de duas premissas básicas na revista. A primeira é questionar o papel dos super-heróis como "autoridades policiais". Pela sua visão, o Lanterna Verde estava sempre seguindo ordens de seus mentores, os Guardiões do Universo, uma força cósmica interventora. Em contraponto, entraria o Arqueiro Verde, ex-milionário que passou a defender causas populares, como um Robin Hood moderno de inclinações liberal e anárquica. A segunda foi o uso de temas de debates intelectuais e políticos na época, como racismo, crescimento demográfico e o uso de drogas por adolescentes.
Na primeira história deste especial, "O mal sucumbirá ante minha presença", o Lanterna encontra-se pela primeira vez numa situação em que seus valores são colocados em xeque. Após salvar um homem de alto nível social, é atacado por moradores locais e pelo seu parceiro na Liga da Justiça, Arqueiro Verde. Estaria Hal Jordan apenas protegendo o status quo e a parcela de abastados da população, esquecendo-se daqueles que realmente necessitavam de auxílio? A partir deste ponto, Hal e Oliver iniciam uma jornada através da América, e junta-se a eles um Guardião do Universo, acrescentando ainda uma nova dimensão às tramas.
O único ponto a ser criticado negativamente é a predileção do autor pelo Arqueiro Verde e uma certa falha no tratamento conferido ao Lanterna. De início, funciona. Após algumas histórias, contudo, percebe-se o herói duvidando de si mesmo repetidas vezes, e assim perde-se o senso de evolução do personagem. Seria desnecessário dizer o quanto isso foi nocivo a longo prazo; basta citar o nome da saga "Crepúsculo Esmeralda", na qual Hal enlouquece.
Apesar deste problema, as histórias mantêm o fôlego e fogem do padrão esperado. Num momento, Hal e Oliver lidam com uma tribo indígena, e em outro, enfrentam um tribunal galáctico corrompido. A arte realista e dinâmica de Neal Adams, como de costume, encanta qualquer um. Escritor e desenhista têm o mérito de aproximar os super-heróis da realidade, sem perder a aventura e o divertimento que deve proporcionar uma HQ do gênero.
(Green Lantern/Green Arrow 76 a 82) De Dennis ONeil e Neal Adams. Formato americano (17x26 cm).
DC Especial 9 - Gavião Negro
Por Marcus Vinicius de Medeiros
Os roteiristas James Robinson e Geoff Johns conseguiram o que parecia impossível: transformaram o Gavião Negro, herói alado da DC Comics, de pesadelo editorial e dor de cabeça dos leitores, a sucesso de vendas com aventuras de tirar o fôlego. A confusão teve início com a reformulação do personagem após Crise nas Infinitas Terras, quando a versão da Era de Prata do herói, o policial thanagariano Katar Hol, foi reintroduzido na cronologia do Universo DC contrariando suas aparições anteriores. Cada tentativa de remediar a situação, incluindo o crossover Zero Hora, apenas a deixava pior. Isto até os responsáveis pelo renascimento da Sociedade da Justiça decidirem revigorar também o campeão dos céus, intento no qual foram bem-sucedidos.
Robinson e Johns aproveitaram os elementos mais importantes da mitologia do Gavião Negro, ignoraram os aditivos descartáveis e acrescentaram novos conflitos. O ponto mais lamentado pelos fãs foi a escolha do herói da Era de Ouro, Carter Hal, no lugar de seu sucessor, que desfrutou de maior popularidade com as histórias de John Ostrander e Timothy Truman. A história do oficial de Thanagar em missão na Terra ao lado de sua parceira teria mais apelo que a da reencarnação de um príncipe egípcio, acreditava-se. O material reunido em DC Especial 9 mostra que não é bem assim. O novo Gavião Negro possui lembranças de todas as suas encarnações anteriores, nas quais sempre consumou seu amor pela Mulher-Gavião e encontrou um final trágico pelas mãos de Hath-Set. Na encarnação atual, contudo, o sentimento pela sua alma-gêmea não é correspondido, e o vilão continua na ativa. Tem-se material para um drama de efeito.
Os dois grandes nomes entre os roteiristas da atualidade trabalhando com super-heróis são Brian Michael Bendis, na Marvel, e Geoff Johns, na DC; e cada um tem seu talento e características próprias. Em termos de diálogos, por exemplo, Bendis é insuperável. Johns, por outro lado, é mestre em usar elementos da cronologia a favor de suas histórias e fazer brilhar os mais obscuros personagens. Em Gavião Negro, ele prova que também é eficaz numa trama que lida com um relacionamento amoroso "eterno" e predestinação. Curiosamente, as cenas de ação, que costumam ser um ponto forte do autor, aparecem aqui como algo trivial e sem tanta potência se comparadas à exploração psicológica dos personagens e seu relacionamento. Vale mencionar a história dos heróis do Velho Oeste Falcão da Noite e Cinnamon, que abre a edição, e a participação do Eléktron, integrante da Liga da Justiça, na saga principal. Como de costume, o ilustrador Rags Morales, que esteve em evidência na minissérie Crise de Identidade, faz um belo trabalho.
Embora possa parecer material direcionado apenas ao público que acompanha religiosamente a cronologia da DC Comics, as histórias do Gavião Negro revelam-se acessíveis, e a edição da Panini contribui para isso com minibiografias e perfis dos personagens. A história termina com ganchos para as aventuras seguintes do casal alado que, infelizmente, não possuem espaço próprio no Brasil. Com a contagem regressiva para Crise Infinita se aproximando, não há garantias de que todo o material do personagem será publicado. Ficamos na torcida.
(Hawkman 7 a 12) De James Robinson e Geoff Johns. Formato americano (17x26 cm). 148 páginas. R$ 14,90.
Derrotista
Por Marcelo Forlani
Se o Justiceiro me pegasse pelos pés e ficasse segurando para fora do prédio exigindo saber quais eram as minhas HQs preferidas, dois nomes sairiam no primeiro suspiro: Gen - Pés descalços (de Keiji Nakazawa) e Maus (de Art Spiegelman). O padrão aqui é claro, histórias sobre guerras reais, bem longe dos universos fantásticos de super-heróis que voam, viajam no tempo e espaço e protegem o mundo com garras e dentes.
E neste nicho, ninguém hoje chega perto de Joe Sacco. Conhecido pelos seus livros Palestina, Área de segurança Gorazde - A Guerra na Bósnia Oriental e Uma história de Sarajevo, Sacco não foi vítima de guerras como Nakazawa (sobrevivente de Hiroshima) ou o pai de Spiegelman (sobrevivente de Auschwitz). Cumprindo sua função de jornalista, ele vai até os lugares porque quer e lá tenta entender o cenário sobre o ponto de vista de outras vítimas, civis que fazem o que podem para levar a vida mais normal possível no meio de tiros, bombas e exércitos.
Derrotista (Notes from a defeatist), que foi lançado recentemente pela Conrad, foge deste estilo. Aqui, são publicadas histórias mais antigas de Sacco. Trata-se de uma compilação de trabalhos independentes que lá fora foram publicados de outras formas, mas que só agora estão ao nosso alcance. Estão lá histórias curtas em que ele fala sobre si mesmo, outras mais longas na qual ele está no meio de outras pessoas e situações, séries sobre outros personagens, longas divagações e, claro, um capítulo de guerra - com destaque para a história da Mamãe Sacco durante a Segunda Guerra, em Malta, que explica bastante de onde vem a fixação do autor por batalhas militares.
Como a maioria das compilações, independente da mídia, o material não tem o mesmo nível o tempo todo. Mas é interessante notar que mesmo no capítulo que abre o álbum, Gênio dos Quadrinhos, datado de 1987, o seu estilo de desenhar e contar histórias já estava lá. O humor, o sarcasmo, a auto-crítica, nada mudou. Exceto, claro, o seu cabelo... e pelo jeito que ele fala na introdução (A menos que gaste tudo em caríssimos transplantes de cabelos...), as longas madeixas deixam saudades.
(Notes from a defeatist) De Joe Sacco. Editora Conrad. 217 páginas. 38 reais.