Ben Stiller tem uma galeria de personagens memoráveis nos cinemas, seja em franquias como Entrando numa Fria, Uma Noite no Museu e Zoolander, seja nas dramédias familiares Os Excêntricos Tenenbaums e Os Meyerowitz. E, embora não seja estranho à cadeira de diretor, há ainda quem se surpreenda com a quantidade de produções que já comandou: 18, agora que com a estreia de Ruptura, nova série do AppleTV+. “Obviamente eu atuei muito. Atuei e dirigi. Mas nos últimos anos da minha vida, tomei a decisão de não fazer mais isso [atuar], e estou gostando disso”, afirmou ao Omelete. Sua parte preferida dessa mudança de foco? “Não ter que atuar [risos]. É uma parte bem boa”, ri, para depois falar sério: “Trabalhar com os atores. A troca com eles é provavelmente a melhor parte”.
Stiller comanda sete dos nove episódios de Ruptura, suspense sci-fi criado por Dan Erickson que leva a ideia de separar vida pessoal e trabalho às últimas consequências. Isso porque seu protagonista Mark (Adam Scott), um homem incapaz de lidar com o luto, é parte de uma equipe de uma grande corporação, a Lumen Industries, que optou por se submeter a um procedimento polêmico, capaz de fazer uma cisão nas suas memórias. O efeito imediato é simples e definitivamente tem seus benefícios: enquanto você estiver no trabalho, você não se lembra da vida fora dele. Quando você pisa fora da empresa, você não tem ideia do que você fez o dia todo. No entanto, como Mark e seus colegas descobrem no decorrer da primeira temporada, esse escapismo também cobra preços altos -- e, talvez, a Lumen não seja tudo aquilo que diz ser.
Descrito como “original e evocativo” pelo próprio diretor, o projeto conta com grandes nomes. John Turturro e Christopher Walken, por exemplo, interpretam dois dos colegas de Mark. Já sua chefe, a misteriosa Harmony Cobel, é vivida por Patricia Arquette, com quem Stiller trabalhou em Procurando Encrenca, em 1996, e mais recentemente em Escape at Dannemora. “Quando li isso, pensei imediatamente nela. Estava muito interessado em ver o que ela traria para a personagem, porque há tantas perguntas envolvendo Cobell. E Patricia é uma atriz tão interessante, achei que seu olhar e suas escolhas seriam fascinantes. E ela é ótima. Então por que não ir com uma pessoa que você acha incrível?”, explicou sobre sua escalação.
Scott ainda está impressionado com o “pedigree” das pessoas que Stiller escolheu e com quem pode trabalhar. “Lembro no começo de falarmos sobre quem poderia interpretar esses papéis, e eu falei ‘vi esse cara que fez um personagem convidado anos atrás, achei ele muito bom’. E Ben disse ‘legal, eu estava pensando no John Turturro’. Ok, ótima ideia”, recordou o ator, reproduzindo o espanto que sentiu na conversa.
Mas a verdade é que nem Stiller tinha dimensão de que conseguiria tantos atores renomados, porque seu comentário seguinte foi: “E eu falei com John Turturro sobre quem deveria interpretar Burt, ‘é, vamos encontrar alguém ótimo’, e tal. E então ele me disse ‘que tal o Chris Walken?’. Eu fiquei ‘ok. ok.’. Então foi meio que um efeito dominó [risos]”.
ACOLHEDOR, MAS DETALHISTA
Zach Cherry interpreta outro dos colegas de trabalho mais próximos de Mark, o competitivo Dylan. E, embora ele seja um rosto que você com certeza já viu por aí -- lembra do streamer do ônibus em Shang-Chi? --, o ator está muito mais habituado a papéis cômicos do que a produções com uma carga dramática, como Ruptura. Por isso, ter um diretor que compreendia os desafios de dar um passo como esse foi, para Cherry, muito útil. “Realmente pude confiar nele e sair da minha zona de conforto, porque ele já tinha feito a mesma coisa”, explicou.
Com mais anos de carreira nas costas, Turturro tem uma visão um pouco diferente. “Trabalhei com vários atores-diretores, e eles são todos diferentes. Então [a experiência como ator] pode ser uma vantagem ou uma desvantagem”. No caso da sua colaboração com Stiller, foi algo construído. “Ele é muito específico e detalhista, gosta de variações e muitas escolhas diferentes”, continuou o ator. “Ele estava buscando certas coisas e eu também queria algum nível de liberdade. Então, sabe, você aprende a negociar. Mas ele estava investido e sempre tinha ideias novas e diferentes. Aos poucos foi ficando mais fácil”.
Stiller não esconde esse seu rigor quando o assunto é direção. Quando foi explicar o processo de criação da suposta perfeição da Lumen, um ambiente aparentemente simétrico e hermético --, por exemplo, ele mesmo fez riu do seu perfeccionismo. “Foi muito agradável [risos], porque, sem querer minimizar o TOC, mas às vezes eu tenho vontade de ver as coisas de um determinado jeito, coisas do mundo real que você não pode controlar. E você tem essa oportunidade quando está criando algo. Senti que essa história e esse mundo visualmente favoreciam isso”.
Mas sua minúcia e atenção aos detalhes não é à toa, como ele mesmo desenvolveu na sequência:
“Queria criar o mundo perfeito para os atores existirem, porque em última instância é um espaço muito sem graça. Queria que ele tivesse texturas, ângulos e ambientes que fossem interessantes de filmar. Mas, realmente, que fosse um lugar para que esses seres humanos pudessem interagir. Isso era muito importante. Então, toda decisão passou a ser: como destacamos isso? Mesmo as cores e o figurino deles, porque eles se tornaram um elemento de cena nesse ambiente sem graça e muito controlado. No fundo, a série só sobrevive se você se interessar por essas pessoas, que estão neste ambiente estéril”.
ALÉM DE RUPTURA
Ficou curioso para saber mais sobre sua carreira como diretor? Confira estas outras seis produções que, como Ruptura, foram comandadas por Ben Stiller:
CAINDO NA REAL (1994)
Seu primeiro longa-metragem como diretor foi a comédia romântica Caindo na Real (Reality Bites, no original), estrelada por rostos bastante conhecidos, como Winona Ryder, Ethan Hawke, Steve Zahn e, claro, o próprio Stiller. A história, assinada por Helen Childress (Good Girls), acompanha a aspirante a documentarista Lelaina (Ryder), que trabalha em um filme sobre jovens como ela e suas melhores amigas que, em meio a incertezas sobre relacionamentos e carreira, estão em busca da própria identidade. Enquanto isso, ela vive uma relação de amor e ódio com Troy (Hawke) paralelamente ao começo do seu envolvimento com Michael (Stiller).
Disponível para aluguel/compra nas lojas iTunes, Claro Video e Google Play.
O PENTELHO (1996)
Na filmografia do Jim Carrey, especialmente ali nos anos 1990, O Pentelho não costuma ser lembrado entre seus melhores filmes. E faz sentido: na época, vindo de sucessos como Ace Ventura, O Máskara e Debi & Lóide, realmente o tom mais sombrio e a trama, escrita por Lou Holtz Jr., soavam pontos fora da curva. Por isso até que o filme, dirigido por Ben Stiller, foi massacrado. "Acho que foi o diretor de Ace Ventura [Tom Shadyac] que olhava para mim como se dissesse 'o que você fez? Você pegou nosso lindo Jim e o que você fez com ele?'", lembrou Stiller sobre a reação ao filme na estreia, no podcast The Bill Simmons Podcast. Nos últimos anos, porém, a coisa tem mudado de figura, e O Pentelho tem ganhado uma recepção mais calorosa.
Com Matthew Broderick, Leslie Mann e Jack Black também no elenco, a produção conta a história de um homem que decide subornar o técnico da operadora de TV para conseguir acesso a alguns canais de graça. O que ele não previa era que essa interação seria o suficiente para que o trabalhador ficasse obcecado por ele a ponto de fazer qualquer coisa para ter sua amizade.
Disponível para aluguel/compra no iTunes.
ZOOLANDER 1 E 2 (2001 E 2016)
Acostumado à atenção que apenas o principal modelo do mundo conhece, Derek Zoolander (Stiller) percebe os primeiros sinais da decadência quando um novo rosto começa a ganhar destaque demais: Hansel (Owen Wilson). Determinado a retomar seu posto, Zoolander se vê em meio a uma conspiração para matar ninguém mais, ninguém menos que o primeiro-ministro da Malásia.
Além de Stiller -- que desempenha aqui ainda os papéis de diretor e produtor -- e Wilson, o longa conta com Will Ferrell, Milla Jovovich, Jerry Stiller e David Duchovny. O primeiro filme foi um sucesso de bilheteria e, em 15 anos depois, ganhou uma continuação. No entanto, o novo capítulo da história dos modelos não foi tão bem-sucedido comercialmente.
É preciso dizer também que esta não é uma franquia livre de representações problemáticas. A sequência, por exemplo, traz Benedict Cumberbatch como uma caricatura de uma pessoa não-binária, o que gerou críticas e boicotes de ativistas LGBTQIA+ na época. Anos depois, o próprio Cumberbatch se diz arrependido do papel. "Acho que, hoje, meu papel jamais seria interpretado por alguém que não fosse um ator trans. Lembro que na época não pensei necessariamente nesse sentido, mas o tiro saiu pela culatra", afirmou.
O primeiro filme está disponível para aluguel/compra no iTunes, enquanto o segundo está disponível para os assinantes da HBO Max e para aluguel/compra nas lojas iTunes, Google Play, Claro Video e Microsoft Store.
TROVÃO TROPICAL (2008)
E falando em representações polêmicas, é hora de falarmos de Trovão Tropical. Escrito por Stiller, Justin Theroux e Etan Cohen, o filme acompanha as gravações de uma das produções mais caras de todos os tempos quando, de repente, seus astros se veem em meio a uma guerra de verdade. Um dos protagonistas desta história é vivido por Robert Downey Jr., um ator branco que passou por uma cirurgia de pele para interpretar um sargento negro -- e isso é representado no filme com o blackface, ato que historicamente carrega uma conotação racista.
Com um elenco fenomenal, que incluía ainda Jack Black, Danny McBride, Tom Cruise, Bill Hader e Matthew McConaughey, a produção não passou ilesa de críticas por este e outros trechos considerados ofensivos, mas ainda assim foi bem recebida por público e crítica.
Disponível para os assinantes do Prime Video e para aluguel/compra nas lojas iTunes e Microsoft Store.
A VIDA SECRETA DE WALTER MITTY (2013)
Remake de O Homem de 8 Vidas, de 1947, A Vida Secreta de Walter Mitty é dirigido e protagonizado por Stiller, e acompanha o personagem-título, um funcionário da revista Life acomodado no próprio tédio do seu cargo, que de repente se vê obrigado a sair da sua zona de conforto e efetivamente viver uma aventura para que a última edição da publicação não fique sem capa.
Disponível para os assinantes do Star+.
ESCAPE AT DANNEMORA (2018)
Indicada a 12 Emmys, a série Escape at Dannemora narra uma história inspirada em fatos, na qual dois prisioneiros escapam da prisão com a ajuda de uma funcionária, que passa de aliada para interesse amoroso de ambos. Exibida originalmente no Showtime, a produção é estrelada por Benicio Del Toro, Paul Dano e Patricia Arquette.
Disponível para os assinantes do Paramount+, NOW e Oi Play.