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Crítica

Alias Grace | Crítica

Minissérie retoma intrigante caso do século XIX com debate mais atual do que nunca

24.11.2017, às 17H27.
Atualizada em 25.11.2017, ÀS 12H08

Confiar numa história contada a partir da perspectiva de um só personagem implica sempre em se submeter ao risco de ser manipulado, seja voltando sua atenção a meros detalhes, seja ignorando informações relevantes, capazes de mudar sua interpretação por completo. Por isso, acreditar na inocência de Grace Marks (Sarah Gadon) a partir dos olhos do Dr. Jordan (Edward Holcroft), sem questioná-lo minimamente, é deixar passar despercebida toda a complexidade de Alias Grace.

Baseado na ficção histórica de Margaret Atwood Vulgo Grace, a minissérie retoma o debate do intrigante caso real da empregada de 16 anos condenada à morte pelo assassinato do fazendeiro Thomas Kinnear (Paul Gross) e sua governanta, Nancy Montgomery (Anna Paquin), no século XIX, no Canadá. Por sorte ou azar, Grace conseguiu a clemência do júri e, diferentemente de James McDermott (Kerr Logan), considerado seu cúmplice, não foi para a forca. Em vez disso, ficou presa durante 30 anos.

Ao longo de seis episódios, Grace conta sua versão da história para o médico Simon Jordan, contratado para analisar a instabilidade mental da acusada e, possivelmente, comprovar sua inocência. Mas ele vê nela uma chance de romance. Embora se esforce e questione a veracidade do relato dela, a doçura da jovem por vezes é mais sedutora do que a racionalidade do doutor.

E ele não é exceção à regra: todos têm uma opinião sobre Grace. As mulheres a veem com desdém, uma pecadora ou mesmo uma aberração entre elas. Já os homens têm nela um objeto de interesse: uma esposa/serviçal/donzela para chamar de sua e atender a suas necessidades. Eles são ora protetores da indefesa dama, ora predadores atrás de uma nova caça.

Conforme a trama avança, a passos lentos - às vezes, lentos demais -, percebe-se então que esta é uma história de assassinato cujo verdadeiro objetivo não é descobrir se a protagonista é culpada ou não. O crime aqui é um pretexto para mostrar como a mulher é constantemente interpretada pelo olhar do outro, através de adjetivos como histérica, manipulável ou manipuladora, dependendo da situação e do interlocutor.

Se não bastasse a discussão do famigerado patriarcado, mais atual do que nunca, a minissérie toca em temas como aborto, assédio, luta de classes e discriminação contra o imigrante no desenvolvimento das personagens secundárias, que de uma forma ou de outra compõem também a personalidade de Grace.

Com esta proposta, a produção poderia facilmente cair no campo do panfletário, cheio de frases prontas e discursos épicos sobre igualdade. Porém, a série trança a discussão junto ao mistério do assassinato de forma sutil, com o próprio avançar da trama, construindo uma narrativa coesa, mas bastante reflexiva. Parte da razão para que isso funcione é a atriz Sarah Gadon, que transita muito bem pelos três “estados” da personagem, e a montagem, capaz de manter o espectador em constante dúvida. Entretanto, o grande mérito é de Sarah Polley, que adapta o livro sem tentar ser didática ou levar o espectador pela mão.

Segundo Polley, vivemos num período entre os dois romances de Atwood, Vulgo Grace e O Conto da Aia, que deu origem à premiada série The Handmaid’s Tale (via CBC News). Cá entre nós, esta não é uma posição muito confortável de se estar.

Nota do Crítico
Ótimo

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