Diretores e roteiristas independentes devem estar exaustos de ver seus filmes sendo chamados de “autênticos”, elogiados pelo “charme singelo” e pelo “intimismo” de suas histórias e escolhas estéticas. Acostumados com a escala inflacionada dos blockbusters, críticos e espectadores casuais são igualmente culpados de, ao verem um filme baseado em diálogos, com poucos personagens ou locações, ou uma abordagem mais “pé-no-chão” da própria trama, tratarem isso como um valor em si.
Boa Sorte, Leo Grande desafia essa polarização. O filme de Sophie Hyde (52 Tuesdays) se passa largamente em um só cenário (um quarto de hotel), e é baseado quase inteiramente na interação entre dois personagens (uma viúva e o garoto de programa que ela contrata) no decorrer de vários encontros entre eles. Cada detalhe de como este longa foi feito, no entanto, não só salta aos olhos como também atiça a mente - artisticamente, ele é tão colossal quanto um O Senhor dos Anéis ou um Mad Max: Estrada da Fúria.
Por exemplo: responsável por fotografia e montagem, Bryan Mason (parceiro de Hyde em toda sua filmografia) faz de Boa Sorte, Leo Grande um pedaço de cinema cintilante. Essa é mesmo a palavra, visto que Mason enquadra seus astros Emma Thompson e Daryl McCormack em iluminação ampla e dourada, habilidosamente utilizando a janela do quarto de hotel como ferramenta visual e narrativa, que representa tanto o recorte desses personagens, vistos em seus momentos enclausurados, pelo mundo lá fora, como uma forma de mostrar suas silhuetas dançando (em uma cena particularmente bonita, literalmente) ao redor uma da outra no jogo ético, retórico e sensual de seus encontros.
Outros trabalhos técnicos se sobressaem, adicionando detalhes rimados que fazem de Boa Sorte, Leo Grande uma experiência muito mais rica do que a simplicidade de sua trama levaria a crer. O figurino de Sian Jenkins (Bronson, O Reino de Deus) encontra formas engenhosas de nos dizer quem são esses personagens, e em que medida eles estão atuando ou sendo autênticos consigo mesmos. Das calças de alfaiataria sofisticadas e roupas de tons mudos que Leo usa quando está “em expediente”, trocadas por uma touca de crochê e peças coloridas em seus momentos “civis”; passando pela camisola de cetim de Nancy e suas saias-tubo apertadíssimas - todas as peças nos dizem alguma coisa.
No fim das contas, todos esses detalhes servem à história, e é assim mesmo que deveria ser. O texto de Katy Brand (Glued) é, por si só, uma preciosidade, tão agudamente sintonizado às considerações contemporâneas por trás da situação que retrata quanto à realidade imediata dos personagens que cria. Boa Sorte, Leo Grande é um filme audaciosamente adulto, capaz de abordar realidades políticas complexas e frequentemente contraditórias sem sacrificar nem sua complexidade nem suas contradições.
O filme argumenta pela legalização do trabalho sexual, por exemplo, mas reconhece a realidade de abuso que subsiste por trás dele. Desenha a jornada de empoderamento físico, sexual e emocional de sua protagonista feminina, de seu encontro com a própria autonomia, mas não sente a necessidade de cancelar a importância da conexão humana para que esse processo aconteça. Boa Sorte, Leo Grande entende que o mundo é complicado, e seres humanos mais ainda, mas postula que a única forma de navegá-lo de forma saudável é com a ajuda um do outro.
E que brilhante a forma como a diretora Sophie Hyde e seu editor encontram os momentos certos para enquadrar Leo e Nancy separados, juntos, ou nos movimentos entre um estado e outro. Que brilhante a maneira como Emma Thompson e Daryl McCormack se entregam um ao outro em cena, equilibrando realismo e drama, deixando queimar por trás dos olhos e derramar pelo corpo, em diálogo e em sensualidade, uma angústia terrivelmente humana que só os faz se aproximar, ao invés de se afastar.
Como todo grande filme (que não necessariamente é o mesmo que filme grande) de toda era, Boa Sorte, Leo Grande se aproveita do fato de ser um filme ao máximo - é a entrega às possibilidades do meio, às toneladas de significado que a imagem em movimento pode trazer, que o definem como a obra absolutamente vital que ele é.