Meu Amigo, o Dragão (Pete's Dragon), remake do filme em live-action e animação da Disney lançado em 1977, toma licenças significativas em relação ao original, com ajustes na premissa (não há mais a subtrama da família abusiva, e a cultura pesqueira é substituída por uma mensagem de preservação florestal) e no formato (as canções permanecem mas o filme não é mais encenado como um musical tradicional). Ainda assim, é um produto inconfundível da Disney.
Os valores que desde sempre são associados com os filmes da casa pontuam a refilmagem desde a abertura: o ideal de uma criação artística artesanal está presente na cena da madeira sendo entalhada, ao mesmo tempo em que o personagem de Robert Redford conta a crianças a lenda de um dragão mítico que mora na floresta local - associando assim a gravura da madeira à arte da narrativa oral. O artesanato, a fantasia, a capacidade de fabular: em pouco mais de dez minutos Meu Amigo, o Dragão faz uma síntese dos alicerces da Disney de forma simples e sem proselitismo.
Assim como em outro remake de 2016 que primeiro chama atenção pela atualização tecnológica, Mogli - O Menino Lobo, a Disney recorre à computação gráfica para gerar um dragão Elliot capaz de interagir com o menino Pete (vivido por Oakes Fegley, ator mirim de olhos expressivos) de forma convincente. O forte do trabalho do diretor David Lowery, egresso do cinema independente, não está nos efeitos, porém; seu Elliot não é especialmente verossímil do ponto de vista da física ou da organicidade. A criatura mais parece Falkor, de A História sem Fim, que muita criança nos anos 1980 cresceu achando que fosse um cachorro e não um dragão.
O fato de Elliot também parecer um bicho de estimação é uma dessas concessões pensadas para tornar mais empática a história de amizade entre o menino e seu dragão, num filme que ademais trabalha de forma bastante honesta o seu apelo sentimental, sem cair na armadilha do maniqueísmo (os lenhadores estão fazendo seu trabalho e, quando ameaçam virar vilões de fato, o filme os desarma com humor) ou da chantagem emocional (as escolhas de renúncia que Pete precisa fazer são minimizadas em nome de um acúmulo de memórias e boas relações).
Acima de tudo, Meu Amigo, o Dragão é uma vitória da narrativa mais atemporal. Em tempos de déficit de atenção e overdose de estímulos, Lowery abusa dos fade-outs (não parece haver nada mais corajoso hoje em dia do que encher seu filme infantil dessas imagens sem pressa de pálpebras que se fecham), dos silêncios e das canções de ninar. Ao mesmo tempo em que nos leva para essa era mítica de migração de dragões nórdicos - e o longa é muito mais sobre o despertar da fabulação infantil nos adultos do que necessariamente sobre uma criança que aprende a crescer - Lowery nos força a desacelerar, a aceitar esse tempo mais calmo da contação de histórias, o que hoje talvez até se pareça mais com um processo de hipnose.
Há um resgate da inocência em Meu Amigo, o Dragão, em certo sentido, que se mistura a esse estilo de narrar. Esse resgate se confunde com um ideal antigo de núcleo familiar, que está no centro da trama do pequeno órfão, e ao fim do filme temos não só os alicerces reforçados do produto Disney (o artesanal, o fantasioso) mas também suas crenças e justificativas mais fundamentais, a combinação de uma tradição narrativa com uma tradição de organização social. Assim como havia começado, David Lowery encerra o remake transmitindo essas lições de forma serena e sincera, como a Disney consegue apenas nos seus melhores momentos.