Refém do exotismo, Órfãos do Eldorado, produção exibida na noite de quarta-feira na seleção competitiva da Première Brasil 2015, é construído como uma espécie de filme noir fluvial amazônico, levando sua plateia para os confins místicos de Belém do Pará, no rastro de uma trama de mistério. Baseado em romance homônimo de Milton Hatoum, o longa-metragem marca a estreia do documentarista Guilherme Coelho (de PQD e Fala tu) na ficção, enveredando-se por um misticismo de radicais indígenas, de braços dados com uma história quase de amor. O “quase” merece ser frisado pois falta intensidade ao clima romântico instaurado entre o músico vivido por Daniel de Oliveira e a morena de identidade e motivações desconhecidas (Mariana Rios) que povoa (e umedece) seus sonhos. Emperrada por um ritmo lento já de início, que não favorece contemplações, emperra o tom envolvente que a ambientação florestal da Amazônia paraense.
A referência ao noir é dada pelo ambiente de ambiguidades entre seus personagens, a começar pela cabocla Florita, vivida pela sempre eficiente Dira Paes, que aqui parece subaproveitada. Florita é o último elo entre Arminto (vivido por Oliveira) e seus ancestrais amazônicos que um dia reinaram sobre o transporte nos rios do Pará: é ela que informa o jovem músico da doença grave de seu pai. Este morre logo que Arminto regressa de um exílio autoimposto, mas o rapaz tem outros fantasmas com que deva se preocupar, a começar por um sonho recorrente com uma mulher cuja origem ele desconhece. O fascínio por essa figura o leva a se enfiar Pará adentro, até se digladiar com segredos regados a sangue.
Essa trama é narrada a partir de um arranjo visual que mais parece um ensaio fotográfico de tamanha beleza plástica. A responsabilidade é de Adrian Teijido, hoje um dos maiores fotógrafos do cinema nacional. Mas a beleza é tanta que, por vezes, chega a superar a própria narrativa, descolando-se dela e ganhando autonomia. Em parte, a lentidão com que o enredo se desenvolve favorece esse descolamento, agravado por limitações do roteiro.
Não fica claro de onde vem a agigantada dimensão de dor que desestabiliza Arminto, tampouco são explícitas (sequer sugeridas) as razões de ele transformar em fetiche uma mulher do qual nada sabe. A opção de entregar essas respostas a uma dimensão mágica, inerente à floresta, destoa da marca realista seguida pelo filme em sua base. Apesar de todo o empenho de Oliveira, seu Arminto não alcança tridimensionalidade. Também não se desenvolve bem o perfil de Florita, mantida à sombra do enigma em suas motivações e intenções, perdida entre diálogos nas raias da caricatura.
Há, de cara, uma temperatura alta esboçada na sexualidade latente entre os protagonistas e em todo o contingente a seu redor. Porém, graficamente, o sexo é tratado sem o relevo (e o enlevo) necessário para um retrato carnal de um mundo à mercê de uma selva verde e viva, porém menos perigosa do que a vaidade feminina.