Filmes

Crítica

Novo Pânico honra tom da franquia servindo como homenagem, sequência e reboot

Pela primeira vez sem as principais mentes de Pânico, produção se permite um válido tapinha nas costas

12.01.2022, às 05H02.
Atualizada em 13.01.2022, ÀS 14H26

De todos os elementos que fizeram de Pânico o que ele é, nada funciona mais ou exemplifica melhor o espírito da franquia do que sua mania de autorreferência. Sim, a sequência de filmes de Wes Craven e Kevin Williamson revitalizou o slasher, trouxe estrelas para o gênero, subverteu expectativas e serviu como comentário sobre o estado do terror desde sua primeira cena. Mas nada se manteve tão presente em cada uma de suas três sequências do que sua insistente autoconsciência. Não é nada surpreendente, portanto, que a nova versão confie nisso e leve a característica além - principalmente em uma época em que ser meta superou o status de cool e já virou mainstream. 

Talvez não soe tão inovador hoje, 25 anos depois do primeiro Pânico, fazer um discurso sobre a categoria em que um filme se encaixa dentro do próprio filme. Há um mês, um dos maiores lançamentos recentes, Matrix: Resurrections, fez um grande comentário sobre sua própria existência. Mas não é exagero afirmar que se isso se tornou comum, parte certamente veio do legado de Pânico. O novo filme, o primeiro sem as duas principais mentes por trás da franquia, está muito ciente disso, e traduz sua importância aproximando os fãs de si com celebração - e inclui muito mais referências a si mesmo do que seus antecessores. 

Existe certa resistência, sim, de ver um novo Pânico dispensar um número sequencial, mas o quinto filme tem toda razão de não se colocar na mesma série que os longas de 1997, 2000 e 2011. A ausência de Craven e Williamson e a liderança dos diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett e dos roteiristas James Vanderbilt e Guy Busick (todos por trás do ótimo Casamento Sangrento) faz com que este Pânico adquira uma nova característica de destaque, uma que não existiria se criado por seus próprios fundadores: um profundo senso de orgulho, afirmado não apenas em discurso como estabelecido por diversos (e diversos) easter eggs, símbolo da autorreferência que vem atrelado com um tapinha nas costas - algo que, diga-se de passagem, nunca fez parte da alma da franquia. 

Isso porque décadas depois, Pânico já se encontra no mesmo solo das mil produções que a franquia ama citar, e se Facada (ou Stab, o filme dentro do filme que faz parte de Pânico desde o segundo longa) se baseia em Sexta-Feira 13, Halloween e Massacre da Serra Elétrica, em sua oitava sequência, um de seus principais pilares é o próprio Pânico. A liderança de fãs da franquia para comandar esse novo universo faz perfeito sentido, e enquanto os espectadores se emocionam com seus personagens principais retornando ao mundo ameaçado por um novo assassino, Pânico também se deleita com isso, e talvez pela primeira vez se alie tão fortemente ao seu próprio fã. 

Fan service com propósito

Eficaz como Pânico 4, o novo filme introduz uma nova geração de personagens, jovens liderados por Sam Carpenter (Melissa Barrera), forçada a retornar a Woodsboro após um ataque de Ghostface à sua irmã, Tara (Jenna Ortega). Já subvertendo suas regras, o novo Pânico, pela primeira vez, permite que a vítima da cena de abertura sobreviva, e a insere em um grupo de amigos bem mais descolados do que em 1996, e portanto alvos mais difíceis. Não demora para que a relação de cada um dos personagens com nomes clássicos da franquia se revele, e torne o novo Pânico bem mais envolvente para fãs da franquia do que para o público em geral. 

Claro, não será difícil para novatos seguirem o ritmo, até porque, como sempre, o longa faz questão de parar para entender o momento em que está e os próximos passos que um filme de terror tomaria. Nesse contexto, um dos melhores resultados é a possibilidade de reviver alguns dos mais queridos elementos da franquia, e é necessário tomar um tempo para apreciar e agradecer o marketing discreto de Pânico, que até hoje não revelou as relações dos personagens com os moradores clássicos de Woodsboro. 

Dito isso, relembrar o tema de Dewey, que cresce com o seu retorno, honrar os discursos de Randy Meeks - personagem de Jamie Kennedy, morto precocemente no segundo filme - ou ouvir novamente os acordes de “Red Right Hand”, faixa clássica que ficou de fora do quarto filme, é um presente bem claro aos fãs, e por mais emocionante que seja, o rumo tem também seu lado negativo. Mesmo comovente, o novo Pânico confia muito, sim, no fan service, recurso que poderia soar como um truque barato se o filme não compensasse em carisma e personalidade. 

E Pânico tem carisma e personalidade de sobra, não apenas na direção estilosa de Bettinelli-Olpin e Gillett como em um elenco perfeitamente bem escolhido, em que o destaque fica para Ortega e Jack Quaid. Tara e Richie, personagens que recebem um espaço maior para brilhar ao lado dos veteranos Neve Campbell, Courteney Cox e David Arquette, lideram novos nomes que arrasam cada um do seu jeito, caminhando lado a lado com os que retornam aos seus papéis com uma melancolia precisa. É de Ortega, no entanto, a oportunidade de comentar sobre o terror atual, e ela entrega o texto afiado que brinca com o domínio do “terror elevado” com ótimo senso de humor.

A ideia de alfinetar o novo terror não deveria ser surpreendente, mas Pânico o faz como poucos podem, e aproveita sua voz para se posicionar sobre a indústria atual, comentando também - e principalmente - sobre a cultura do fandom, completando um discurso sagaz. Existe certo paradoxo, sim, sobre um filme que critica a cultura de fã ao mesmo tempo em que a agrada, mas se há uma franquia que pode fazer isso é Pânico. 

Nota do Crítico
Ótimo