Até o lançamento de Distrito 9, Sharlto Copley era um ator completamente desconhecido - cuja único papel tinha sido uma ponta no curta-metragem Alive in Joburg, que ele coproduziu com Neil Blomkamp. O curta, porém, virou longa-metragem sob a batuta de Peter Jackson - e Copley despontou para a fama na pele (castigada e mutante) do burocrata Wikus Van De Merwe. Confira agora nossa conversa com o novo astro, realizada durante a Comic-Con.
Distrito 9
Distrito 9
Distrito 9
O que é mais difícil? Criar um sujeito comum, sem qualquer qualidade surpreendente, ou alguém extraordinário, mais exagerado e ficcional?
É quase a mesma coisa. Meu estilo de atuação depende de uma identidade forte nos personagens. Wikus é resultado de uma fusão de várias pessoas que conheci em minha vida. É até fácil imaginar como ele seria, sendo que crescemos na mesma cidade, com as mesmas referências e problemas sociais. Mas eu dei mais ênfase à ingenuidade dele e adicionei um pouco de humor à sua personalidade.
Você ajudou a criar Wikus?
Eu tive carta branca para pensar em Wikus desde 2005, quando o curta-metragem Alive in Joburg foi lançado. Eu trabalhei com os outros atores, fiz bastante improviso, dividia com eles e Neil Blomkamp as ideias que tinha. Foi um processo de grande confiança mútua. Duvido que tenha essa liberdade novamente.
Você atua sozinho quase que o filme inteiro. Como foi essa experiência?
Me sentia isolado. Pelo meu estilo de atuação, aquela situação existia para mim. Ou eu a sentia como real, ou não conseguiria fazer meu trabalho. Eu sei que isso parece chavão, que muita gente comenta isso, mas a vida de um ator tem influência de coisas assim. De certa forma, experimentei aquele processo de colapso - com família e amigos abandonando Wikus, bem como a mutação de seu próprio corpo. No final, foi muito intenso - meu corpo sentia os efeitos e respondia como se fosse real, especialmente em relação à mutação nos braços.
Quais foram os momentos mais difíceis no no set.
Todo o processo de maquiagem foi bastante complicado e demorava demais. Além disso, o fato da produção ter empregado locações reais também dificultou as coisas para mim. Havia lixo para todos os lados - a favela e a sujeira eram reais. Em uma das cenas, eu tinha que correr sozinho por ali e parava para comer um sanduiche que encontrava no meio do lixo. A produção o havia colocado sobre uma bandeja de papel, isolando-o da sujeira ao redor. Mas durante a cena eu me toquei que minhas mãos estavam imundas - e eu tinha que tocar o sanduiche para comê-lo! Então na hora ficava tentando comer apenas as partes limpinhas, onde meus dedos não haviam tocado a comida. E tive que repetir essa cena duas vezes! Foi tenso!
Wikus devia carregar um destes [mostro um frasco de álcool gel para Sharlto]
Ahahahahaha, ele devia! Parar, limpar as mãos...
Peter Jackson disse que não acompanhou diretamente as filmagens. Como foi o papel dele na produção?
Ele não estava ali, mas sua presença não nos abandonava. Peter trabalha fora do sistema estabelecido de Hollywood e possui força suficiente para apoiar as decisões criativas de um diretor desconhecido e, acima de tudo, a minha atuação. Sabe, existe essa ideia de que os estadunidenses não conseguem entender sotaques estrangeiros. Tanto que alguém até sugeriu que eu mudasse minha maneira de falar. Mas Peter nos deu cobertura. Há vários sotaques diferentes dentro dos EUA e, no fundo, as pessoas têm mesmo é medo de arriscar.
Distrito 9 faz um paralelo com a situação recente da África do Sul...
Sim, a África do Sul tem uma história recente muito complicada. Com o fim do Apartheid, uma grande variedade de culturas distintas precisou aprender a conviver sob um governo democrático. A democracia funciona bem quando os valores educacionais e sociais são suficientemente semelhantes. Não é isso o que acontece lá e o resultado é a divisão do povo, multipartidarismo e alas radicais em grande número. Assim, atrair a atenção para a África do Sul com Distrito 9 é algo bastante interessante, especialmente com alguém como Wikus, que reúne muitas das características de pessoas partidárias do Apartheid - algo que foi criticado por muita gente. Ele é um tanto estereotipado, mas não reflete a maioria das pessoas. Ainda que existam ainda racistas na África do Sul, é preciso lembrar que o regime anterior decidiu entregar de forma pacífica o controle do país voluntariamente à maioria (negra) da população.
Como todo bom filme de ficção científica, como Blade Runner ou Matrix, Distrito 9 nos ajuda a questionar quem somos. Quando você é separado dos preconceitos da sociedade, o que sobra? O que separa você das outras pessoas? O filme não responde isso, mas a pergunta é ótima. E, certamente, estamos mais próximos de ter que lidar com nossos próprios problemas do que pensar na hipótese de uma raça alienígena aparecer aqui subitamente...
Em termos metafóricos, o que são os alienígenas no filme pra você?
Nossos pais ensinam algumas coisas, a Igreja ensina outras e os amigos mudam tudo. Essa raça alienígena que chega à Terra representa tudo que não somos. Embora a base do pensamento racista tenha foco na agressividade perante uma minoria social ou um biotipo diferente, o âmago da questão é muito mais profundo. As pessoas estranham o que é diferente - e podem reagir agressivamente a ele - mas desde os primórdios da sociedade escolhemos viver nas mesmas cidades e conviver justamente com pessoas diferentes. Isso diz muito sobre quem somos como espécie. É um processo evolutivo. Seja social, ou religioso, começamos a notar que somos uma coisa só. A união precisa prevalecer. Nossa, isso ficou sério! Sem dúvida não é a parte de entretenimento desse filme!
Você imaginava que Distrito 9 fomentaria tanto debate?
Nunca. Pensei que esse tema fosse relevante apenas para os sul-africanos. Nós sempre buscamos usar nossas experiências, nosso modo de pensar e nossa realidade para abordar isso, mas, se conseguimos entrar em terreno mais universal e representativo, o filme só ficou mais forte.
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a crítica de Distrito 9
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entrevista com Peter Jackson
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