Época de Oscar é oportunidade para lembrar que o trabalho do montador no cinema não é cortar minutos. A percepção de que um filme com mais de duas horas e meia é mal editado - uma falácia comum numa época em que a metragem dos longas parece mesmo se estender cada vez mais além da conta - vem de uma incompreensão do trabalho de edição, que tem mais a ver com colar do que cortar.
Ambulância - Um Dia de Crime, o novo filme de Michael Bay, tem 2h16 de duração, o que parece demasiado, considerando a premissa magra: Danny (Jake Gyllenhaal) é um ladrão de bancos que convence seu irmão de criação Will (Yahya Abdul-Mateen II) a fazer um assalto à luz do dia em Los Angeles. Antes dessa cena, Will fora apresentado como um veterano de guerra desesperado para pagar custas médicas da sua esposa doente, e não deve levar nem 20 minutos para Will se desesperar, ser convencido por Danny, e o assalto começar.
Saudosistas do cinema de Tony Scott vão identificar que Bay está pleiteando realizar um filme de ação muito parecido com os thrillers motorizados de Scott, como Incontrolável (2010). O cenário-claustro aqui é a tal ambulância do título, que Danny e Will sequestram na hora da fuga, fazendo como reféns um policial baleado e a socorrista Cam (Eiza González). Ao longo das duas horas seguintes, o que se dá é uma longa perseguição pelas vias de Los Angeles, num exercício formal quase metalinguístico de aceleração e contenção de ação.
Talvez por isso, Ambulância seja um dos filmes de Michael Bay mais cristalinos para que a gente possa observar como funciona o diretor, um dos últimos nomes de grife em Hollywood a pensar os blockbusters primeiramente a partir dos códigos do cinema de ação. Não se trata exatamente de um thriller depurado ou minimalista - Bay exagera particularmente nos planos acelerados com drones, sua nova fixação - mas sim de um filme tão simples que é possível até separar as partes e entender o que funciona melhor na articulação do todo.
Aí entra a importância da edição. São três os montadores de Ambulância: Doug Brandt, Pietro Scalia e Calvin Wimmer. O diretor já trabalha com os três, em conjunto, desde 13 Horas (2016), filme mais bem sucedido de Bay na tentativa de criar um cinema de explosões e ação ininterrupta que seja acima de tudo uma experiência plástica e sensorial. Ambulância não é tão impactante quanto 13 Horas nesse sentido, mas é inestimável a contribuição do trio de montadores para fazer com que este thriller de perseguição pare de pé na sua dilatação do tempo da ação.
Isso fica claro quando separamos os dois elementos básicos da linguagem do cinema: o plano e o corte. Isolados os planos, o cinema de Michael Bay é francamente frágil; os planos não têm uma potência que lhes seja intrínseca, é sempre aquele rodopio no contraluz em contraplongée, um recurso que se banaliza na repetição e no esforço deslocado de sempre embelezar e dramatizar a imagem. A coisa faz mais sentido a partir do corte, porque é na aplicação de um fluxo que o ritmo se impõe. Para ficar na analogia automotiva, é como se Ambulância usasse os trilhos magnetizados do trem bala para ganhar velocidade: os planos se movem internamente sem parar, e a montagem pega esses impulsos para criar na colagem um senso de movimento perpétuo e incontrolável.
Na comparação com Tony Scott, cujos filmes às vezes tinham planos tão curtos que ficavam no limite do experimentalismo, Ambulância não pode ser chamado de picotado. Ainda assim, é na montagem e no controle do frenesi que a trama ganha vida, auxiliada por um roteiro que sabe recorrer ao absurdo sem tornar o absurdo em si a razão de ser do filme. Tudo se resume a esse exercício formal de controle, o que vale também para as atuações: toda a jornada de Jake Gyllenhaal neste filme envolve extravasar exageros e violências e não se deixar dominar por eles. Essa superatuação inflamada é o que se espera de um filme de Michael Bay, afinal, mas ainda assim é muito satisfatório ver que Bay e Gyllenhaal finalmente se encontraram e o ator pode colocar seus exageros a serviço de um filme que sabe acomodá-los.
Ambulância pode não ter a fotografia noturno impressionista de 13 Horas (operador de steadicam no longa de 2016, Roberto de Angelis é promovido a diretor de fotografia no filme de 2022 e não imprime tanto sua marca), e todo o discurso sobre hombridade e a falência do sonho americano foi melhor articulada em Sem Dor, Sem Ganho (2013). Ainda assim, é um thriller a que se assiste com engajamento e visível prazer. O próprio Michael Bay entende o privilégio que é realizar uma extravagância de duas horas como esta, e não por acaso se permite a autorreferência de citar nominalmente dentro de Ambulância não um, mas dois de seus filmes passados. O cinema de autor hoje em Hollywood não fica muito melhor que isso.
Ano: 2022
País: EUA
Classificação: 14 anos
Duração: 136 min
Direção: Michael Bay
Roteiro: Chris Fedak
Elenco: Jake Gyllenhaal, Yahya Abdul-Mateen II, Eiza González