Filmes

Crítica

Segredos de um Escândalo se apropria do sensacionalismo para parodiá-lo

Novo filme de Todd Haynes é pequena obra-prima de desconforto

Omelete
4 min de leitura
08.05.2024, às 10H50.

No ensaio de 1964 intitulado Notas Sobre Camp, a escritora e filósofa americana Susan Sontag definiu "camp" como uma estética voltada ao exagero e ao artificial. Nos cinemas, o termo é frequentemente associado a títulos extravagantes por forma e natureza, mas sem autoconsciência, como O Vale das Bonecas (1967) e Mamãezinha Querida (1981). Segredos de um Escândalo, o novo filme do diretor Todd Haynes (Longe do Paraíso, Carol), se apropria do conceito de Sontag para recontar o escândalo real envolvendo Mary Kay Letourneau, uma professora que se envolveu com um aluno de 13 anos, engravidou durante o relacionamento, foi presa e depois se casou com o jovem. Ao olhar do diretor, interessa justamente se aproximar dessa história – narrada publicamente com sensacionalismo – pela via da autoconsciência.

O longa ficcionaliza os eventos com Gracie (interpretada por Julianne Moore, em sua quinta colaboração com Haynes), uma dona de casa que compartilha com o marido Joe Yoo (Charles Melton), 22 anos mais jovem que ela, as tarefas domésticas e o cuidado com os filhos do casal. Anos após o escândalo que mudou a vida de ambos, o lar dos Yoo é invadido por Elizabeth Berry (Natalie Portman), uma atriz de segundo escalão que vai interpretar Gracie em uma cinebiografia. Desvendamos o caso de Gracie através da pesquisa de Elizabeth, que segue os passos do casal e investiga a vida da ex-presidiária para melhor compreender o papel e essa "história" – como a própria atriz coloca, mesmo se tratando da vida de pessoas de verdade.

À medida que Elizabeth aprofunda sua investigação, vaidades aparecem. Via metalinguagem, o filme toca em questões de público e privado e obviamente ecoa o fascínio do público pelo true crime e sensacionalismos em geral. Segredos de um Escândalo traz essa percepção também ao mostrar todo o estrago feito na vida dos envolvidos pelo crime cometido por Gracie (que, no caso, é o estupro de um vulnerável), especialmente na de Joe, que não parece entender plenamente seu lugar de vítima nessa situação.

Ao mesmo tempo que pinta isso, Haynes e a roteirista Samy Burch montam uma espécie de drama doméstico onde tudo é muito exagerado e muito extravagante, ecoando via melodrama – o gênero por excelência que marca as parcerias de Haynes com Julianne Moore – como a visão de mundo “ingênua” de Grace se materializa para nós e os personagens. Já nos primeiros momentos, quando Gracie abre a geladeira e percebe a falta de salsichas para o churrasco de cachorro-quente, a trilha sonora adquire um peso dramático, com toques severos de piano (adaptados do tema de O Mensageiro, o melodrama de Joseph Losey de 1971), como se a situação fosse intensamente catastrófica. O filme inteiro alterna esse tom entre o mundano e o trágico, não apenas por meio da trilha sonora, mas também através de piadas desconfortáveis e muito humor obscuro.

Natalie Portman, desempenhando o papel de uma atriz de talento questionável, entrega uma das melhores performances de sua carreira, muito por conta da energia de atrito com sua principal parceira de cenas, Julianne Moore. Em suas interações, as duas parecem estar envolvidas em um complicado jogo de xadrez, onde cada movimento é calculado meticulosamente para surpreender a oponente. Em certos momentos, a química entre as duas evoca a dinâmica de sedução reminiscente de Liv Ullmann e Bibi Andersson em Persona (1966), o clássico de Ingmar Bergman – especialmente quando estão interagindo juntas na frente do espelho. Charles Melton, de coadjuvante em Riverdale, emerge como o coração do filme. Ao interpretar um homem que não teve a oportunidade de explorar sua própria inocência em detrimento do abuso que sofreu, Melton demonstra um potencial dramático que soa revelatório.

Hollywood e a indústria jornalística frequentemente se apropriam de histórias repletas de sofrimento para entretenimento. Contudo, o que ocorre na vida dessas pessoas no epicentro de crimes ou escândalos assim que as câmeras dos telejornais e revistas de fofoca são desligadas? Essa realidade é triste e complexa. Haynes reconhece isso e não hesita em nos instigar a refletir. Talvez seja até por isso que o longa esteja transitando por fora da corrida do Oscar deste ano. É realmente lamentável, pois o diretor nos presenteia com um de seus melhores trabalhos, e, sem dúvida, um dos mais complexos desta temporada de premiações. Segredos de um Escândalo é uma obra-prima.

Nota do Crítico
Excelente!
Segredos de um Escândalo
May December
Segredos de um Escândalo
May December

Ano: 2023

País: Estados Unidos

Duração: 113 min

Direção: Todd Haynes

Roteiro: Samy Burch

Elenco: Charles Melton, Cory Michael Smith, Julianne Moore, Natalie Portman

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